Reproduzimos
abaixo texto do Deputado Federal pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, Jean
Wyllys sobre o Projeto de Lei Gabriela Leite que regulamenta o trabalho das/dos
profissionais do sexo e o diferencia do crime de exploração sexual e publicado
no site Carta Capital. No ensejo, o deputado defende a liberdade das mulheres
prostitutas usarem seu corpo e tece críticas as mulheres da Central Única dos
Trabalhadores por se posicionarem contra o texto.
Vamos ao Texto
Muito
me surpreenderam os ataques públicos de um grupo de mulheres da CUT contra o
"PL Gabriela Leite", projeto de lei que regulamenta o trabalho
das/dos profissionais do sexo e o distingue do crime de exploração sexual;
projeto construído democrática e participativamente pelas prostitutas
organizadas e apresentado por mim, a pedido delas, na Câmara dos Deputados.
E
muito mais me surpreenderam as declarações maliciosas da secretária da Mulher
Trabalhadora da CUT, Rosane Silva (gostaria que ela lembrasse que as
prostitutas que escreveram o projeto também são mulheres trabalhadoras), que
disse que eu estou "pressionando" minha amiga e parceira de lutas, a
deputada Érika Kokay, para que assuma a relatoria do projeto. A deputada Érika
é uma pessoa de convicções e não permite que ninguém a pressione; mas me parece
que, ao contrário do que foi dito, essa declaração contra o projeto é que
pretende ser uma forma de pressão (inútil) contra ela, para que não assuma a
relatoria ou se pronuncie contra o projeto para não contrariar um setor do seu
partido.
Sim,
do partido, porque é claro que essa declaração de algumas mulheres da CUT é, na
verdade, uma declaração de algumas mulheres do PT contra um parlamentar do PSOL
que faz oposição de esquerda ao governo Dilma - declaração que tem um olho no
cálculo eleitoral para 2014. As mulheres da CUT nunca me procuraram para
conversar sobre o Gabriela Leite — como, em outras ocasiões, já me procuraram
para apoiá-las em outras lutas das quais também faço parte, como a luta pela
legalização do aborto e contra o assédio moral no mercado de trabalho —, como
também não procuraram o movimento das prostitutas; o que, sem dúvidas, teria
feito se tivesse um interesse real - e não apenas partidário - em debater essa
reivindicação da categoria que eu, como deputado de um partido de esquerda que
quer representar os interesses da classe trabalhadora e não tem medo de fazê-lo
mesmo quando envolve temas "polêmicos", decidi defender no Congresso.
É
lamentável que as mulheres da CUT não levem em conta o trabalho que eu faço em
outras frentes contra a exploração sexual de mulheres e crianças ou as emendas
que destinei para políticas que deem oportunidade para mulheres prostitutas
pobres que desejem deixar de ser prostitutas.
E
é lamentável que não respeitem também a liberdade das mulheres prostitutas que
querem continuar sendo prostitutas e ter seus direitos reconhecidos.
É
curioso que as mulheres da CUT, por um moralismo não assumido, atentem contra
as liberdades individuais e contra o direito de uma mulher de dispor sobre seu
corpo, colocando-se ao lado do discurso dos fundamentalistas que impulsionam
projetos para criminalizar o trabalho sexual, como o PL-377/2011 do deputado
fundamentalista João Campos, o mesmo que defendia a bizarra lei de "cura
gay".
É
chocante que as mulheres da CUT não enxerguem o óbvio: que a prostituição como
atividade praticada por uma pessoa adulta e capaz é diferente da exploração
sexual (esta, sim, é um crime a ser enfrentado; seja quando vitima mulheres,
seja quando vitima crianças e é chamada equivocadamente de "prostituição
infantil") e que o Gabriela Leite - elaborado por mulheres prostitutas
organizadas politicamente (quem melhor para falar em nome delas do que elas
mesmas?) - diz respeito à prostituição como exercício da liberdade individual
ou ao meio de sobrevivência de uma pessoa adulta, e a distingue da exploração
sexual, inclusive apontando os meios de enfrentamento desse mal (a exploração
sexual).
O
"PL Gabriela Leite" - que leva o nome dessa saudosa lutadora, querida
amiga, exemplo de luta e inspiração para mim e para muitos e muitas,
recentemente falecida - é uma iniciativa das próprias trabalhadoras sexuais
organizadas. Durante a minha campanha, elas me procuraram para debater esse
assunto e colocar suas reivindicações em minha agenda, e eu assumi o
compromisso de tocar essa pauta na Câmara, caso fosse eleito — eu eu honro
minhas promessas de campanha, mesmo que impliquem num custo político por
contrariar o senso comum, os preconceitos e os lobbys das corporações. Já
deputado, mantive reuniões com trabalhadoras sexuais, tanto mulheres
heterossexuais quanto travestis e transexuais, de diferentes estados, e também
consultei a opinião dos garotos de programa — mas, como eles não estão
organizados, não participaram como coletivo da redação do projeto. Tenho pelos
trabalhadores e trabalhadoras sexuais o mesmo respeito — e o mesmo compromisso
de acompanhar suas lutas — que por qualquer outro trabalhador ou trabalhadora.
O
"PL Gabriela Leite" como todo
projeto, pode ser melhorado com o debate, mas este precisa ser honesto e
qualificado, sem baixarias e, sobretudo, deve incluir aqueles e aquelas que são
sujeitos políticos dessa luta. Devemos deixar atrás a arrogância de pensar e
decidir em nome de quem que nem sequer convidamos a participar de uma discussão
que diz respeito a sua vida. Quando Gabriela me trouxe essa demanda e eu
comecei a me reunir com as prostitutas em diferentes estados e cidades, a
dialogar com elas e a ouvir suas experiências de vida e suas reivindicações,
ficou claro para mim que eu sabia muito pouco e precisava aprender. Aprendi com
elas e estou muito agradecido! Um representante do povo precisa ouvir, não
apenas falar! Tem aspectos do projeto que eu só entendi depois de ouvi-las, e
gostaria que aqueles que fazem ataques tão levianos tivessem a mesma disposição
e humildade.
O
debate sobre a prostituição, tanto no movimento feminista quanto no movimento
LGBT, está longe de acabar. Não há uma opinião comum, nem no Brasil, nem no
mundo. Há quem seja a favor da regulamentação do trabalho sexual (como eu) e há
quem seja abolicionista e considere que toda forma de prostituição é uma forma
de "mercantilização do corpo da mulher" — esquecendo, aliás, a
prostituição masculina.
Eu
defendo que todos e todas nós sejamos donos do nosso próprio corpo e, pelo
mesmo motivo que sou a favor do direito das mulheres a decidir sobre a
interrupção voluntária da gravidez, sou contra a criminalização dos usuários de
drogas atualmente ilegais, sou a favor do direito das pessoas trans a fazerem
cirurgias de transgenitalização e/ou tratamentos hormonais (se assim o
desejarem!) e a ter seu nome e sua identidade reconhecida (independentemente do
que façam com o corpo), sou a favor da morte digna e da autodeterminação sobre
o fim da própria vida; também considero que toda pessoa adulta e capaz tem
direito a decidir livremente se quer exercer a prostituição.
Considero
que há uma parte da esquerda e do feminismo que tem uma posição conservadora e
moralista sobre o uso do corpo e sobre a sexualidade (moralista e, inclusive,
machista!), pela qual comete a contradição ideológica de defender o direito da
mulher a abortar mas, ao mesmo tempo, pretender que o Estado tutele o corpo
dela quando se trata da prostituição. Se o trabalho sexual é uma forma de
mercantilização do corpo, qualquer trabalho que envolva o corpo também é! O que
é que diferencia o pênis, a vagina ou o ânus das partes do corpo que usamos em
outros trabalhos considerados "braçais", a não ser os tabus que
interditam a sexualidade e querem escondê-la sob uma redoma sombria e
custodiada por demônios?
"Eu
sou mulher, mãe, filha, avó e puta", dizia Gabriela Leite, desafiando o
sentido pejorativo e preconceituoso da palavra. Já é hora de que nos assumamos:
veados e sapatões, putas, negros, macumbeiros, nordestinos, favelados,
latino-americanos, sem medo nem vergonha de dizer quem somos, sem medo nem
vergonha de sermos felizes.
O
Estado deve combater a exploração sexual e o tráfico de pessoas e garantir que
ninguém seja obrigado/a (por um proxeneta, pela máfia ou por circunstâncias
sociais) a exercer a prostituição. E, da mesma maneira, o Estado deve
reconhecer os direitos daquelas pessoas que decidem se dedicar ao trabalho
sexual, sejam do gênero masculino ou feminino. Sei que, por dizer isso, posso
ser tachado de "liberal". Ora, não tenho medo de ser
"liberal" para defender o direito ao aborto ou à prostituição, da
mesma maneira que, para defender os interesses da classe trabalhadora, não
tenho medo de ser socialista.
Porém,
essa discussão ideológica (teórica), que é muito interessante e deve ser feita,
não pode ter mais destaque que os anseios humanos, reais, marcados no corpo,
daqueles e daquelas que, como as prostitutas que me procuraram quando eu era,
ainda, candidato (e elas acreditaram que, se eleito, poderia ser dos poucos que
topariam, sem medo nem vergonha, defender as putas), precisam de nós para ter
garantidos seus direitos fundamentais.
Caro Jean Willys, gostaria que você afirmasse que trata-se de parte de um grupo de mulheres da CUT. Eu sou da executiva da CUT, militante feminista, presidente do comitê mundial de mulheres da ISP, Internacional de Serviços Públicos, mas aqui falo só em meu nome, não represento aqui a opinião das duas instituições. Represento o que penso e acredito que é o direito a liberdade e poder que todos os seres humanos deveriam exercitar em qualquer ramo ou em qualquer situação de sua vida. Gabriela Leite esteve conosco em 2005, em um debate num grupo de mulheres Cutistas num espaço que chamávamos de grupo de reflexão feminista, onde mulheres da academia e do movimento sindical trocavam saberes e experiências. Gabriela convenceu quase todas nós sobre a proposta do segmento que ela fazia parte e era reconhecidamente sua representante máxima no Brasil. Defendo o governo Dilma, mas reconheço que temos que avançar em muitas questões caras a diversos movimentos que a apoiam. Por favor "me exclua fora dessa" Junéia Batisfa, Assistente Social do Município de São Paulo, dirigente do Sindsep/Municipais de São Paulo, secretária nacional de saúde do trabalhador/a da CUT
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