Paulo Freire: Humanismo e Esperança


Em seu livro Meu Encontro com Marx e Freud, Erich Fromm examina detalhadamente o que chama de renascença da experiência humanística. É o que ele achou que ocorreria, depois de determinada trajetória histórica, no final do século XX. É a renascença, segundo ele, do humanismo, da emergência de um novo Ocidente que empregue seus poderes técnicos em prol do homem, ao invés de usar o homem como se fosse uma coisa. É a nova sociedade, na qual as normas para a realização do homem governarão a economia, ao invés de ser o processo social e político governado por interesses econômicos cegos e anárquicos.

Citei Fromm de propósito porque seu pensamento aparece freqüentemente na obra de Paulo Freire, o incomparável educador brasileiro. Fromm aparece ao lado de Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Roger Garaudy, Herbert Marcuse, figuras que poderiam representar a chamada renascença da experiência humanística. E Paulo Freire pode perfeitamente ser colocado, pela sua atuação e pelas suas reflexões, junto a esses pensadores. Eu creio que a sua “pedagogia do oprimido” é hoje fundamental em todos aqueles países do Terceiro Mundo que estão, decididamente, levando seus povos para melhores condições de existência.

O que disse acima é resultado da leitura de Educação e Mudança. Há certa unidade no pensamento de Paulo Freire, e em qualquer um dos seus livros encontramos a base antropológica que sustenta as suas posições diante do mundo. Seja quanto à pedagogia propriamente dita, ou seja quanto ao conhecimento, digamos assim, de um novo homem oprimido.

Educação e Mudança reúne quatro ensaios. Pelos seus títulos, percebe-se a sua atualidade e a sua importância: 1) o compromisso do profissional com a sociedade; 2) a educação e o processo de mudança social; 3) o papel do trabalhador social no processo de mudança; e 4) alfabetização de adultos e conscientização. Nos quatro artigos, a visão de Paulo Freire se impõe admiravelmente, e nessa visão pretendo destacar duas dimensões que se complementam: o humanismo e a esperança.

A respeito do humanismo, em primeiro lugar, é preciso mostrar a diferença em relação ao que se pensa academicamente sobre o assunto. O próprio Paulo Freire nos esclarece: Ö autor não entende por humanismo, neste como em outros estudos seus, as belas-artes, a formação clássica, aristocrática, a erudição, nem tampouco um ideal abstrato de bom homem. O humanismo é um compromisso radical com o homem concreto. Compromisso que se orienta no sentido da transformação de qualquer situação objetiva na qual o homem concreto esteja impedido de ser mais.”

Ser mais: esta expressão é muito usada nos escritos de Freire. Significa exatamente a possibilidade que se apresenta ao homem concreto de deixar de ser coisa, de se humanizar. Essa possibilidade é fundamental na experiência humanística de Freire. O compromisso radical com o homem concreto não pode ser passivo: ele é práxis, inserção na realidade e conhecimento científico desta realidade.

Como se dá esse compromisso? O exemplo dado pelo educador é cristalino. No caso de uma reforma agrária, o profissional que minimiza o camponês, desconhece sua técnica e seus procedimentos empíricos, está fugindo de um compromisso radical. Os procedimentos dos camponeses são manifestações culturais e, em determinados limites, são válidos e não podem ser mecanicamente substituídos.

Por isso, para o compromisso autêntico é necessária a consciência crítica. Essa consciência é aquela que vê o homem concreto, o homem na sua totalidade. Essa consciência, em oposição à ingênua, é a base do humanismo concreto de Paulo Freire.

Uma de suas características principais seria não repelir o velho pôr ser velho, nem aceitar o novo pôr ser novo; mas aceitá-los na medida em que velho e novo são válidos. A dialética do velho e o novo explica uma posição ingênua diante da reforma agrária. Aquela exatamente que privilegia a técnica (por ser nova) e minimiza a participação camponesa (por ser velha).

Assim, é preciso encarar o camponês em sua totalidade existencial; ele não é coisa, objeto manipulável pela técnica. Na medida em que é um ser humano, exatamente como o profissional é um ser humano, ele precisa ser visto como sujeito, como criador. Seus procedimentos empíricos, na aparência velhos diante da novidade técnica, são válidos em certa medida e não podem ser rejeitados. Para não haver essa rejeição, é necessário que a consciência crítica do profissional considere o homem concretamente: criador como todos os outros homens.


Via Geledes

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