Por
Karolina Mattos Roeder*, no Pragmatismo Político
Na
última quarta-feira o Senado aprovou em segundo turno a Proposta de Emenda à
Constituição – PEC 98/2015 que assegura a reserva de cadeiras para mulheres nos
legislativos municipais, estaduais e federal, com exceção do próprio Senado. A
proposta agora segue para a Câmara dos Deputados, onde o texto também terá de
ser aprovado em dois turnos, para que vire realidade.
Caso
a medida seja aprovada, ela garantirá a reserva na eleição subsequente à
promulgação de 10% das vagas do Legislativo para mulheres, 12% na segunda
legislatura, e, 16% na terceira, encerrando-se nesta última a utilização das
cotas.
É
comum ouvirmos comentários contrários sobre qualquer tipo de cota embasados
numa perspectiva meritocrática. Até sobre as cotas de mulheres nos parlamentos,
li opiniões, essa semana, de leitores de portais de notícias, centrando-se no
discurso: “não precisamos de cotas, estará no cargo quem o merecer.” Pois bem,
as “coisas” da sociedade não são tão simples assim. Eu diria que elas são bem
mais complexas.
Na
Ciência Política há incontáveis pesquisas que procuram identificar quais são as
variáveis, isto é, os fatores “preponderantes” que levam um candidato ao
sucesso eleitoral. Quais variáveis que mais afetam as chances de êxito dos
candidatos eleitos (aos cargos de deputados federais, senadores, prefeitos).
Dentro
desse conjunto de fatores, podemos listar os que envolvem o perfil social, a
trajetória do candidato e os padrões de recrutamento político (os filtros ou
obstáculos por quais o candidato passou para acessar os cargos eletivos).
Alguns
dos fatores: seu patrimônio, receita de campanha (muitas pesquisas já provaram
que as oportunidades aumentam na razão direta do volume de recursos financeiros
mobilizados), ser ou não candidato à reeleição (estes têm mais chances), fazer
parte ou não de uma coligação partidária, o desempenho do partido, competição
no interior dessa agremiação, ser ou não um político profissional,
escolaridade, idade, socialização política construída ao longo da vida, sua
origem social, a própria estrutura de oportunidades que o sistema político
oferece e, gênero.
Aqui
neste artigo, focarei nesses dois últimos fatores.
Ser
homem implica em ter mais chances de ser eleito. Para se ter uma ideia, em um
estudo (1) realizado por professores do Programa em Pós-graduação em Ciência
Política da UFPR, sobre as eleições municipais para prefeito em 2012, com dados
de mais de 15 mil candidatos dos quase seis mil municípios brasileiros, foi
constatado, para o pleito analisado, que dadas as mesmas condições de
competição política, ser mulher reduziu 21,4 vezes a possibilidade de sucesso
eleitoral. Identificaram, assim como em outras pesquisas sobre outros pleitos,
que mulheres têm maior dificuldade em ser eleitas que homens.
Para
entender os motivos pelos quais as mulheres têm mais dificuldade de se eleger,
a meu ver, é necessário darmos atenção para as estruturas de oportunidade da
sociedade, do sistema político e nosso contexto social.
Entendemos
por “estrutura de oportunidades” na política, fatores exógenos à sociedade que
afetam a capacidade de mobilização e recrutamento de determinados grupos
sociais. Na Sociologia, sabemos, sempre considerando os contextos nos quais a
sociedade está inserida, que o capital social adquirido ao longo da vida e os
estimulos de participação política envolvem, crucialmente, o acesso diferencial
a recursos de poder. As instituições formais podem estruturar a interação
social dos cidadãos e seus acessos a recursos de poder.
Resumindo:
quando essas estruturas de oportunidade reduzem os custos da participação,
haverá mobilização social. O Estado, a partir de normas institucionais do
sistema político, tem o pepel de gerar essa ação coletiva indepentende na
sociedade. A partir de mudanças institucionais, tais como: cotas para mulheres
no legislativo, aumento de financiamento ou destinação de uma percentagem da
receita do fundo partidário para a campanha de mulheres, ou, sendo ainda mais
otimista, com lista fechada nas eleições proporcionais, com paridade de gênero.
Todas essas medidas, de certa forma, reformulam nossas estruturas de
oportunidade, reduzem os custos de participação para um determinado grupo
social, aqui no caso, mulheres, e fomentaria a participação e inclusão deste
grupo no de eleitos.
A
sociedade brasileira, fortemente patriarcal, tendo o pai da família e o homem
no centro das discussões políticas na sociedade, desde seus primórdios, reserva
às mulheres os assuntos do lar e, do século XX pra cá, a realidade da dupla ou
até tripla jornada (mãe, dona de casa e trabalhadora). Essa realidade é
refletida nas baixas taxas de participação política feminina (hoje, de 513
cadeiras da Câmara dos Deputados, 51 são ocupadas por mulheres e 12 de 81, no
Senado). Não é fruto do acaso, muito menos biológico, a ausência de interesse
de grande parte das mulheres na política e, sim, fruto da estrutura de
oportunidades da sociedade e do campo de disputa de poder que exclui
sistematicamente aqueles que possuem menos recursos e acúmulo de capital
político e social. Quanto maior for o número de variáveis acumuladas, maior o
sucesso eleitoral. Se as mulheres não possuem portas de entrada, dificilmente
irão acumular esses capitais, em virtude dos altos custos para tanto. E isso
não é uma questão de falta de mérito.
*Mestranda do Programa de
Pós-graduação em Ciência Política da UFPR, pesquisa as relações entre Executivo
e Legislativo, partidos políticos e partidos de direita e colaborou com
Pragmatismo Político.
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