Do
Brasil 247
A
mais significativa e a mais grave afirmação feita pelos órgãos da mídia
brasileira nos últimos tempos foi de autoria de Judith Brito, executiva da
empresa Folha de S. Paulo, em 2010, quando ela era presidente da Associação
Nacional de Jornais:
"Na situação atual, em que os partidos de
oposição estão muito fracos, cabe a nós dos jornais exercer o papel dos
partidos. Por isso estamos fazendo."
A
declaração é extremamente grave para a democracia brasileira – afetando tanto o
papel dos partidos, quanto da mídia e, especialmente, o processo de formação da
opinião pública. Ela não foi tomada a sério em todas as suas consequências,
como se se tratasse de uma confissão de sinceridade de uma executiva, sem
refletir processos profundos, que pervertem a democracia brasileira.
É
verdade que há uma crise generalizada de representação dos partidos, processo
para o qual a própria mídia colabora cotidianamente, ao desqualificar a
política, os políticos, os governos e os próprios partidos e, promover, de
forma implícita ou explícita, os mercados. Uma crise que é generalizada
praticamente em todos os países, porque as formas de fazer política se
esgotaram, dado o caráter extremamente formal das formas de representação mas,
sobretudo, pela perversão que o poder do dinheiro introduz cotidianamente na
política, nas eleições, nos próprios governos.
Mas
a mesma mídia que promove diariamente o desprestígio da política se vale disso
para – como declarou a própria executiva da Folha – substituir os partidos. Com
isso, produz um duplo efeito negativo para a democracia: enfraquece as formas
tradicionais de representação, fundadas no voto popular, e deforma
profundamente o papel da mídia, ao fazer com que ela assuma o papel de partido
de oposição.
A
formação da opinião pública é um componente essencial da democracia, porque
nela deveriam expressar-se a diversidade de pontos de vista, de reivindicações
e de interesses existentes na sociedade. Quando a mídia, que tem um papel
central nesse processo, se alinha, de forma confessa, como partido e partido de
oposição, renuncia completamente a desempenhar esse papel.
No
Brasil, desde 2003, esse papel da mídia é evidente. Em primeiro lugar, pela sua
escandalosa parcialidade na informação. Há uma censura evidente, que seleciona,
deformando conscientemente as informações contrárias ao governo – como se
constata no Manchetômetro -, como deixando de difundir, ou fazendo-o de maneira
deformada, toda informação favorável ao governo. Em segundo lugar, atuando
efetivamente como partido, ao desenvolver campanhas sistemáticas, sempre contra
o governo, de pessimismo econômico e de denuncismo.
Os
jornais e revistas não se limitam a emitir suas opiniões nos seus editoriais,
entregando informação de maneira mais ou menos objetiva e abrigando nas colunas
de opinião diversidade de pontos de vista. Tudo é editorializado, é deformado
pelo ponto de vista partidário dos donos das publicações.
A
executiva da Folha tem razão: dada a fraqueza dos partidos de oposição, a mídia
tem desempenhado o papel de partido de oposição. Portanto, já não são
formadores democráticos de opinião, são partidos políticos e têm que ser
considerados assim. (Lembremo-nos que Obama caracterizou a Fox como um partido
político de oposição e passou a tratá-lo dessa maneira.) Se há essa confissão
da então presidente da ANL, basta isso como prova: devemos considerá-los
formalmente como partido de oposição e o governo também deve fazê-lo, para
todos os efeitos.
Fica
fazendo falta então partidos representativos e mídia democrática. O fim dos
financiamentos empresariais pode ajudar aos partidos, mas sua desmoralização
requer lideranças de forte legitimidade popular para recuperar formas
democráticas de representação política. E a democratização da formação da
opinião pública requer que se termine com essas formas pervertidas de
mídia-partido opositor, que fazem mal para a política, para a mídia e para a
democracia.
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