Por
Amanda Mont'Alvão Veloso, no HuffPost Brasil
A
civilização é composta por ciclos e marcada por rompimentos que superam ou
antecedem crises. O que é uma crise senão uma insuportável e paralisante dúvida
a respeito de valores até então tidos como certos? Na dúvida, podemos assinalar
saídas ou desistências. Construções ou destruições.
Em
um momento em que os brasileiros acumulam perguntas e não dispõem de respostas
– “Que lado escolher? O que desejo de meu país? Qual minha relação com a
política e com o outro?”, o desespero, a desesperança e a apatia podem
encontrar terreno fértil para crescer.
Enquanto
se tenta resistir às investidas do caótico, podemos encontrar conforto, ou ser
instigados por alguém em quem depositamos confiança. Por isso reunimos
depoimentos de algumas pessoas que se dispuseram a destrinchar as perguntas,
provocar outras tantas ou mesmo arriscar uma resposta.
Leandro Karnal
Historiador brasileiro
"Minha ideia, é claro, é sempre e a melhor de
todas. Mas ela não pode, nunca, impedir o contraditório. O Contraditório é a
forma básica da democracia. Todos devem ter espaço e vez e minha posição não
pode ser excludente da outra humanidade. OU seja: tenho direito a querer comer
só alfaces colhidas ao luar cantando mantras, mas não posso querer matar quem
come ervilhas flambadas. Simples. Não gosta do contraditório? Parabéns: você
está ao lado de monstros, conservadores ou de esquerda, como Pinochet, Médici,
Hitler, Stálin, Pol Pot e outros. Tem horror a manifestações? Vá para a Coreia
do Norte, lá elas não existem. A democracia é árdua, frágil e só existe PORQUE
existe o outro lado."
2016,
em post no Facebook
"Eu não sou neutro, a Justiça não é neutra, o
Congresso não é neutro, as igrejas não são neutras. Eu, o juiz Moro, Lula, o
papa Francisco, Dilma, a mãe de santo, o pároco, o sindicalista, você e a
socialite: todos estamos inseridos numa classe social e manifestamos um mundo
que corresponde ao que mais me beneficia. Neutralidade só existe no sabão de
coco. A democracia permite que uma subjetividade não seja a única possível."
2016, em post no Facebook
Zygmunt
Bauman
Sociólogo polonês
"Sou tudo, menos desesperançoso. Confio que
os jovens possam perseguir e consertar o estrago que os mais velhos fizeram.
Como e se forem capazes de pôr isso em prática, dependerá da imaginação e da
determinação deles. Para que se deem uma oportunidade, os jovens precisam
resistir às pressões da fragmentação e recuperar a consciência da
responsabilidade compartilhada para o futuro do planeta e seus habitantes. Os
jovens precisam trocar o mundo virtual pelo real."
2014,
em entrevista à revista Época
"Mais e mais pessoas duvidam que os políticos
sejam capazes de cumprir suas promessas. Assim, elas procuram desesperadamente
veículos alternativos de decisão coletiva e ação, apesar de, até agora, isso
não ter representado uma alteração efetiva."
2014,
em entrevista à revista Época
"Para que a utopia nasça, é preciso duas
condições. A primeira é a forte sensação (ainda que difusa e inarticulada) de
que o mundo não está funcionando adequadamente e deve ter seus fundamentos
revistos para que se reajuste. A segunda condição é a existência de uma
confiança no potencial humano à altura da tarefa de reformar o mundo, a crença
de que 'nós, seres humanos, podemos fazê-lo', crença esta articulada com a
racionalidade capaz de perceber o que está errado com o mundo, saber o que
precisa ser modificado, quais são os pontos problemáticos, e ter força e
coragem para extirpá-los."
2003,
em entrevista à revista CULT
Marcia Tiburi
Filósofa brasileira
"Todo mundo conhece um “fascista”, um tipo
psicopolítico bastante comum, alguém que perdeu a dimensão do diálogo,
intelectualmente pobre, que reproduz discursos prontos, discursos de ódio,
justamente porque é incapaz de ouvir o outro e de refletir sobre a diferença".
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2015,
em entrevista ao site Hoje em Dia
Sigmund Freud
Neurologista e psicanalista austríaco
"Há incontáveis pessoas civilizadas que se
recusam a cometer assassinato ou a praticar incesto, mas que não se negam a
satisfazer sua avareza, seus impulsos agressivos ou seus desejos sexuais, e que
não hesitam em
prejudicar outras pessoas por meio da
mentira, da fraude e da calúnia, desde que possam permanecer impunes."
1927,
no livro O Futuro de Uma Ilusão
Eliane Brum
Escritora e repórter brasileira
"Uma democracia demanda cidadãos autônomos,
adultos emancipados, capazes de se responsabilizar pelas suas escolhas e se
mover pela razão. O que se vê hoje é uma vontade de destruição que atravessa a
sociedade e assinala mesmo pequenos atos do cotidiano. O linchamento, que marca
a história do país e a perpassa, é um ato de fé. Não passa pela lei nem pela
razão. Ao contrário, elimina-as, ao substituí-las pelo ódio. É o ódio que
justifica a destruição daquele que naquele momento encarna o mal. Isso está
sendo exercido no Brasil atual não apenas na guerra das redes sociais, mas de
formas bem mais sofisticadas. Isso tem sido estimulado. Quem acha que controla
linchadores, não sabe nada."
2016,
em sua coluna no El País
Mario Sergio Cortella
Filósofo e educador brasileiro
"Os chineses acham que devemos lidar com a
história e não com o momento. Você só compreende o hoje se olha a história no
seu desenvolvimento. É bom recordar o que falavam as avós: 'Não há mal que
sempre dure nem bem que nunca se acabe'. Portanto, nada de desespero. Problemas
agudos se dissolvem no tempo. Os efeitos colaterais não são insuperáveis;
podemos lidar com eles. É bom lembrar que devemos ter cuidado num mundo
multifacetado, multicultural e multidiverso. Por isso, não podemos nos fechar
em grupos exclusivos - só católicos, só gays, só muçulmanos -, o que leva à
política do gueto e dilui a ideia de humanidade."
2015,
em entrevista à revista Claudia
Slavoj Zizek
Filósofo e psicanalista esloveno
"Tem algo que gosto de repetir: o grande
papel dos intelectuais não é dar respostas. As pessoas me perguntam, por
exemplo, sobre a crise ecológica: 'O que devemos fazer?'. Eu não sei! A
principal tarefa do intelectual público hoje, eu acho, é permitir, ou melhor,
possibilitar que as pessoas pensem, fazer com que elas façam as perguntas
certas. Eu acho que os problemas que nós temos hoje existem porque nós estamos
fazendo as perguntas erradas."
2013,
em entrevista ao Jornal do Commercio
Umberto Eco
Escritor e intelectual italiano
“Na medida em que envelheci, comecei a odiar
a humanidade. Portanto, se eu tivesse um poder absoluto, deixaria que ela
continuasse em seu caminho de autodestruição. Ela seria destruída e eu ficaria
mais feliz. Pessoas como eu são intelectuais: nós fazemos o nosso trabalho,
escrevemos artigos, temos maneiras de protestar, mas não podemos mudar o mundo.
Tudo o que podemos fazer é apoiar a política de empatia”.
2016,
em sua coluna no UOL
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