A
visita do ator Alexandre Frota e de membros do grupo Revoltados Online ao
ministro da Educação, Mendonça Filho, e a pauta que eles levaram para discutir
- sobre uma escola sem partido - foram bastante criticadas. Para especialistas
em educação ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, a proposta pode tanto ser
interpretada como um atentado à liberdade de cátedra quanto uma distorção do
papel do educador de oferecer o melhor do conhecimento disponível, com suas
contradições, aos alunos.
Publicado Originalmente no Uol Notícias
Para
o físico José Goldemberg, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa de São
Paulo e ex-reitor da Universidade de São Paulo, trata-se de um posicionamento
retrógrado.
“Não é possível não se discutir filosofia e
política nas escolas. O que a gente chama de política é algo que Platão fazia
há 2.500 anos. É claro que temos de evitar que um professor dissemine política
partidária, mas não puni-lo."
José Goldemberg, ex-reitor da USP
Ele
diz acreditar que isso se resolve com as bases curriculares. "E para limitar a discussão de assunto em
escolas, quem deve decidir não são grupos de militantes, mas de educadores. Se
o ministro acha que tem de enfrentar esse assunto, que crie uma comissão com o
mais alto nível de educadores - que são muitos no Brasil", disse.
"Agora fico admirado que o ministro da
Educação vá se preocupar com isso no começo da gestão, quando há tantos
problemas mais agudos para resolver. Me parece retrógrado e obscurantista. Aí
amanhã vão querer proibir educação sexual, que vai gerar muito mais problemas.
Ou querer o criacionismo no lugar da evolução. Negar isso é andar para trás",
criticou.
Diretor
científico do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, o cientista
social José Álvaro Moisés defendeu que o fato de receber o grupo não configura
por si só um problema, mas se houve sinalização de apoio ao tema, sim.
"Faz parte do papel do ministro receber
pessoas que queiram apresentar propostas de qualquer natureza. Tem de receber
pessoas independentemente da opinião para ouvi-las", disse.
“Mas ouvir não quer dizer concordar e
aceitar. Criar uma lei para punir professores que adotem posturas ideológicas
não faz o menor sentido. É uma atitude contra a liberdade de expressão e de
cátedra e não deve ser aceita pelo governo."
José Álvaro Moisés, cientista
social
Controvérsias
Para
o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política da
USP e ex-ministro da Educação, de abril a setembro de 2015, a proposta fere o
próprio conceito de educação. "A pretexto de reduzir algum caráter
ideológico do ensino, essa proposta coloca em risco todo o ensino. No limite,
não se vai poder falar de ciência, do que as ciências sociais e políticas
descobriram nos últimos 200 anos. Isso é contra a modernidade", disse.
"As ciências humanas têm estudos do
socialismo ao capitalismo. Não se pode confundir o ensino das controvérsias que
existem na ciência com ideia de doutrinação ou com partido político. Isso é um
golpe contra o conhecimento. Estudar Karl Marx é necessário nas ciências
sociais, mas não quer dizer quem estuda Marx vira marxista. Não é à toa que
quem propõe isso não é exatamente uma referência científica ou em educação",
complementou.
“Considero um sinal perigoso que o ministro
aceite dialogar sobre educação com quem não tem contribuições a fazer sobre
educação."
Renato Janine Ribeiro, ex-ministro
da Educação
Resposta
"Este ministério comporta a pluralidade e o
respeito humano a qualquer cidadão", justificou-se o ministro Mendonça
Filho, destacando que as reações gerais ao encontro teriam sido exageradas e
configurariam "discriminação" com o ator. "Não discrimino ninguém, porque respeito a liberdade de cada pessoa para
fazer suas escolhas de vida."
O
ministro relatou que conheceu Frota e o "pessoal" do Revoltados
Online durante os atos pró-impeachment de Dilma Rousseff. "Não vejo problema na visita.
Discriminação é algo tão abominável
e tão mal visto por todos os cidadãos com postura civilizada, que o fato de
receber um ator como Alexandre Frota é uma questão que absolutamente deve ser
respeitada", falou, julgando-se uma pessoa "não
sectária".
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