“Caio Prado Júnior - uma biografia política”, por Luiz Bernardo Pericás



Um dos mais importantes pensadores marxistas brasileiros, o historiador Caio Prado Júnior, ganhou uma biografia de fôlego neste ano. O professor da Universidade de São Paulo (USP) Luiz Bernardo Pericás escreveu, pela Editora Boitempo, “Caio Prado Júnior - uma biografia política”.
Publicado por Bruno Pavan no Caro Amigos

Nascido em uma família influente política e economicamente de São Paulo, Caio Prado Júnior escolheu o caminho do comunismo, fato que não foi bem aceito nem pelos seus familiares, nem pelos seus vizinhos de Higienópolis. “Teve casos em que a Danda, filha mais velha dele, tomava pedradas na rua, além de pessoas que jogavam cruzes em chamas na casa dele”, lembra Pericás.

Caio foi um dos primeiros marxistas brasileiros. Isso quer dizer que ele não se preocupava em contar a história do Brasil de forma linear, em torno dos grandes nomes e períodos, mas pela ótica dos explorados.

Sua hipótese principal é que o Brasil foi pensado como uma grande empresa agroexportadora, com grande concentração de terras e produção pensada exclusivamente para o mercado externo. Para Pericás, a realidade ainda não mudou tanto da primeira metade do século até agora.

Hoje você tem um processo de desindustrialização e reprimarização da indústria brasileira, que é o fenômeno que ele criticava. Ao invés de estarmos avançando, nós estamos num período que muitos chamam de regressão colonial”, critica.

Confira a entrevista na íntegra:

Como foi a aceitação do Caio comunista dentro da sua família e nas próprias fileiras do partido?

Uma parte da família nunca aceitou seu ingresso no PCB. Foi uma decisão muito dura. Houve casos em que a Danda, sua filha mais velha, levou pedradas na rua. Pessoas jogavam cruzes em chamas na casa dele em Higienópolis.  Dentro do partido, ele também teve problemas: de um lado, Caio Prado Júnior era visto como oriundo da elite; de outro, muitos não gostavam de sua posição teórica, bastante independente. Apesar disso, ele permaneceu no partido a vida inteira, ao contrário de outros camaradas, que foram expulsos ou saíram por conta própria. O Comitê Regional do PCB de São Paulo, em 1932, chegou a ameaçar Caio de expulsão mas ele acabou permanecendo na agremiação.

Formação do Brasil contemporâneo é uma das obras essenciais para entender o Brasil. Quais as diferenças entre a obra dele e Raízes do Brasil (Sergio Buarque de Holanda) e Casa-grande & senzala (Gilberto Freyre)?

Caio, de um lado, está inserido no cânone dos intérpretes “clássicos” do Brasil. Por outro, também está dentro da tradição marxista: é um pioneiro na utilização do materialismo histórico no País. Ele não faz uma história somente narrativa, encadeando os fatos (e na qual as instituições e os grandes nomes são protagonistas), mas utiliza o método dialético para entender a nossa realidade, dando centralidade aos setores marginalizados. Sua análise do sentido da colonização é uma inovação, já que trabalha as especificidades do Brasil e fornece subsídios para entender a realidade de seu tempo. No fundo tudo o que Caio faz é tentar entender o passado para atuar no presente; e ele compreende que essa particularidade brasileira está vinculada ao comércio mundial, ao mercado externo. Chega até a discutir o imperialismo e sua penetração no Brasil. Caio não é o primeiro marxista brasileiro, mas é talvez o primeiro a escrever um livro de fôlego, mais sofisticado que os anteriores. Então tudo isso já diferencia muito sua análise em relação a Freyre e Buarque de Holanda.

E no que consistia essa nova interpretação?

Para Caio, o Brasil não foi constituído como uma nação, mas quase como uma empresa, com grandes propriedades e produção voltada para o mercado externo. Não há interesse em se construir nem uma população politicamente ativa, dona de seu destino, nem o próprio mercado interno no País.  Portanto, é preciso transformar essa experiência histórica, do grande latifúndio e da escravidão, e transitar para outra, de real transformação das relações sociais e ulterior conscientização política das massas. Tudo isso deve ser levado em conta em um processo de longo prazo, que desembocará, teoricamente, no socialismo. Diante disso, as questões serão colocadas e terão de ser respondidas. Depois de resolvidas, novas questões irão surgir e assim por diante.  É nesse processo que se desenvolve a revolução, dialeticamente, de forma gradualista, mas sempre com uma visão popular e democrática.

Como seria a visão do Caio do País de hoje?

A situação do Brasil de hoje seria muito criticada por Caio. Há aumento de concentração de terra.  As grandes propriedades voltadas para exportação, com produtos mais rentáveis para o mercado externo, imperam. Ainda não há democratização da terra, nem a modificação profunda da estrutura agrária.

E a reação de Caio ao golpe de 1964, como se deu?

A primeira reação dele foi ir com o Elias Chaves Neto para a periferia de São Paulo e ver como estava se dando a reação dos trabalhadores ao golpe. Ali não notou nenhuma grande mudança: todos, aparentemente, trabalhavam como de costume. Depois ele, Elias e Paulo Alves Pinto pensaram ir até o Sul do País, onde talvez pudessem resistir; mas, na divisa com o Paraná, desistiram de seguir adiante e voltaram a São Paulo.

Naquele período, ele continuou encabeçando a editora Brasiliense. Mas vale lembrar que a Revista Brasiliense foi fechada e que ele foi detido e indiciado por publicar livros com textos e discursos de Fidel Castro. Logo no início da ditadura, por exemplo, Caio Prado Júnior foi preso junto com seu filho Caio Graco.  Costumava ser acusado de publicar livros “comunistas”. Em 1969, o historiador passa alguns meses no Chile, retorna ao Brasil e em 1970, é novamente preso. No cárcere, escreve o texto sobre Levi-Strauss e sua crítica a Althusser. Depois de libertado, no segundo semestre de 1971, já não tem mais qualquer militância direta no partido.

Ele tem alguma crítica à postura do PCB nessa época?

Caio criticou em A revolução brasileira a questão dos resquícios “feudais” ou “semifeudais” na estrutura agrária brasileira e o suposto “reboquismo” do PCB.  O que não quer dizer que ele tivesse a solução para todos os problemas. Ele não discutiu de forma clara a questão da tomada do poder, por exemplo.  Essa é uma das questões que ele deixa em aberto: Caio fala de processos, mas não como se assenhorar do poder.


Como é a retirada de Caio da vida pública?

O PCB sofre muito nessa fase da ditadura, nos anos 70. Depois que o governo militar destruiu boa parte da guerrilha urbana e rural, ele se volta contra o partido, que, por sinal, não apoiava a luta armada. Na época em que Caio sai da prisão, boa parte das lideranças vai para fora do País. No final daquela década, ele mantinha contato com gente que lutava pela redemocratização, estava presente em comícios das “Diretas Já”; mas, àquela altura, era um senhor de idade. Sua participação, portanto, era apenas marginal.  É naquele momento que começaram a surgir os primeiros sinais do Mal de Alzheimer. A partir de 1985, ele sai de cena de vez, por causa da doença e morre em 1990.

O que a esquerda hoje pode aprender com Caio Prado Júnior?

Primeiro, a fazer um diagnóstico correto da realidade. O que se vê hoje são colunistas da imprensa sem qualquer profundidade, que apenas fazem análise de conjuntura. Já  Caio, para entender sua época, precisava ir lá atrás. No caso dele, até o período colonial, coisa que os comentaristas de hoje não fazem.

Depois é a avaliação do papel do Brasil como exportador de commodities (quadro que estamos vendo há vários anos). O processo de desindustrialização e reprimarização da indústria brasileira é um fenômeno que ele certamente criticaria. Ao invés de estarmos avançando industrialmente, entramos num período que alguns chamam de “regressão colonial”.

Além disso, a concentração de terra, avanço dos setores da direita sobre os trabalhadores, criminalização dos movimentos sociais, assassinatos no campo e retirada de garantias sociais dão o tom no momento. É um Brasil arcaico retornando com esse novo grupo golpista no poder. Ele criticaria o atual quadro do País.  E, por certo, defenderia que a luta precisa ser feita pelos próprios trabalhadores. Em outras palavras, eles próprios necessitam construir suas ferramentas de luta.

Finalmente, a questão da legitimidade do poder e da democracia. Ele acreditava na democratização da política, na construção de uma estrutura democrática e popular. Quem olha hoje para o Congresso brasileiro vê poucas mulheres, poucos negros, poucos representantes dos movimentos do campo.  O que se vê são homens, brancos, conservadores, representantes do agronegócio, da grande mídia e dos monopólios. Esse pessoal mostra que a composição da política institucional está longe de ser democrática e popular.

Como foi  importante para ele ser militante e historiador ao mesmo tempo?

Dentro do marxismo, os intelectuais sempre desempenharam um papel militante. Marx, Engels, Lenin e Trotsky, por exemplo, eram ao mesmo tempo militantes e intelectuais. Mariátegui e Che também. Dentro do PCB isso não seria diferente.  Há importantes teóricos no partido, Caio talvez fosse o mais sofisticado entre eles.


Um comentário:

  1. Bom..., de qualquer forma sabemos bem disso aqui:
    O superestado está sob o controle da elite privilegiada do Partido Interno, um partido e um governo que persegue o individualismo e a liberdade de expressão como "crime de pensamento", que é aplicado pela "Polícia do Pensamento".
    Em em 2023 em Brasília..., o Mula, aPedeuTa. O PT é o kitsch político do Brasil.

    ResponderExcluir

Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!