Quando
Adorno escreveu Educação após Auschwitz, ele tinha como objetivo prevenir a
catástrofe fascista. O crítico chamava a atenção para a importância da análise
sociológica como aquela que informaria “sobre o jogo de forças localizado por
trás da superfície das formas políticas”. Com efeito, um sintoma de
proto-fascismo se evidencia quando a sociologia é posta em dúvida, ou é alvo de
piadas em alguns centros de risadas forçadas e irreflexivas.
Publicado
originalmente no Negro Belchior
Não
é à toa que o que se oculta no interior do programa Escola sem Partido é, na
verdade, aquele incomodo sexagenário gerado pelo retorno da filosofia e da
sociologia à “grade” curricular. Os defensores de tais programas revelam assim
seus inconfessáveis desejos de ver a velha Educação Moral e Cívica que,
subserviente a interesses escusos, – esta sim – doutrinava e excluía de si toda
a dúvida. O que estes temem de fato é a potencialidade crítica da dúvida que
essas matérias promovem no interior da sala de aula, gerando inclusive o
inconformismo dos estudantes ante a total desagregação da educação pública no
país. Mas isso será tema de um próximo artigo.
Por
enquanto falemos da gravidade da situação política que se espalha não só pelo
Brasil, mas pelo mundo como um todo. O fascismo sem dúvida é uma idiotice. No
entanto, é uma idiotice que não se pode, em hipótese nenhuma, ser subestimada.
Quando um aloprado deputado, que cospe reacionarismo, se joga, tal como um
rockstar, da carroceria de um caminhão e se estabaca no chão sobre o aplauso e
histeria de centenas de seguidores, apesar da grotesca cena e da babaquice em
questão, é um sintoma para ser levado a sério.
Uma
das questões mais importantes que o fascismo nos legou é que, apesar das formas
grotescas de sua expressão, ele deve ser objeto de denuncia constante. Afinal,
na Alemanha pré-nazista ninguém levava a sério um baixinho de bigode raspado,
com estandartes ridículos que esbravejava impropérios contra a civilização,
querendo romanticamente uma sociedade na qual o super-homem nietzschiano –
obviamente integrado e desvirtuado pela ideologia nazista – teria espaço.
Nesse
sentido, o que apresento aqui é uma síntese cabível neste espaço sobre como o
fascismo é produzido na oficina da história pela crise e falta de perspectiva.
Aqueles que se interessarem pelo tema e quiserem se aprofundar podem pesquisar
não apenas Adorno e os escritos da, vulgarmente chamada, Escola de Frankfurt,
como também, um dos livros mais sagazes e profundos sobre o fascismo: Labirintos
do Fascismo de João Bernardo.
Vamos às cinco características:
1 – O fascismo é uma revolta dentro
da ordem
Ele
aparece como uma potencialidade de transformação, mas esbarra nos limites de
uma mudança feita para nada mudar. Isso porque seus adeptos geralmente esbarram
em questões que pairam na superficialidade dos problemas. Numa moralização
unilateral que evidencia somente os aspectos mais pragmáticos e, por isso,
propagandísticos nas crises políticas e econômicas. Por exemplo:o principal
motor da xenofobia em 1930 e na presente fascitização europeia e paulista é
enxergar o problema do desemprego no imigrante e não na crise estrutural pelo
qual passa a economia. Do mesmo modo, a propaganda contra a corrupção se torna
unilateral. Ela não denuncia que a própria engrenagem político-econômica
fomenta a corrupção como algo necessário para sua própria manutenção.
2 – O fascismo é fenômeno de crise
e falta de perspectiva de mudanças profundas
O
fascismo nasce de alguns desastres históricos. Não apenas de uma profunda crise
econômica, mas de uma crise político-social que lá atrás arrastou a Europa para
a Grande Guerra. E o horizonte hoje com o começo da dissolução da zona do euro
e ressentimentos de toda ordem não se apresenta tão diferente. Do mesmo modo, a
crise estrutural no Brasil fomenta atividades e ressentimentos de classe e
posições altamente conservadoras e reacionárias. Separatismo e paixões
provincianas, além do nacionalismo tacanho, marcam também algumas de suas
características fundadas na falta de perspectivas reais de melhorias.
3 – As instituições democráticas
são irrelevantes para o fascista
Já
em 1921 Benito Mussolini discursava marcando algumas características que
permeariam a noção do ser fascista: “Estaremos com o Estado e a favor do Estado
sempre que ele se mostrar um guarda intransigente” dizia o idealizador
fascista, “mobilizar-nos-emos contra o Estado se ele vier a cair nas mãos de
quem ameaça a vida do país e atenta contra ela”. Com certeza, uns cem números
de leitores dessa revista devem ter gostado e simpatizados com a fala do líder,
Mussolini, que muito tem em comum com aquele outro que deu de cara no chão.De
um lado, o respeito pelas instituições democráticas só é feito tendo em vista a
participação dos próprios fascistas na partilha do poder. Por outro lado, o
fascismo pretende substituir o poder estatal quando a democracia não
compartilhar de suas crenças.
4 – O fascismo avança quando os
progressistas retrocedem
A
partir dos duros golpes sofridos e no retrocesso da tentativa de superar a
desigualdade histórica; a ideia de uma revolução dentro da ordem, para
salvaguardar a sociedade do comunista comedor de criancinhas, se consolida e
ganha aos poucos as mentes e os corações.A assim chamada “revolta dentro da
ordem” como uma das características centrais do fascismo assume muitos dos
aspectos tradicionais da luta dos trabalhadores, mas para colocá-lo na
perspectiva da ordem da economia imperante. Assim, quando uma massa amorfa de
verde-amarelo sai as ruas e utiliza palavras de ordem e formas de luta
tradicionalmente de esquerda (como por exemplo a ocupação da Paulista) ela não
está sendo original, esse caminho já é conhecido.
5 – O ser fascista detém a
capacidade de maquinar, remodelar e recriar fatos históricos e corriqueiros
Nenhuma
outra corrente política recorreu tanto a estetização da política como forma de
impor seu pensamento, em termos mais simples, nenhuma outra corrente recorreu
tanto a possibilidade de ludibriar, mentir e persuadir aqueles que querem. Como
nos mostra João Bernardo (2015): a versatilidade das palavras, a possibilidade
de moldá-las a seu favor e unir isso a uma propaganda massiva foi um dos
grandes atributos do fascismo, assim como; escrachar figuras públicas, criar
factoides e manipular dados.
Qualquer
semelhança com nossa época atual não será mera coincidência.Os números oficiais
indicam que todos os dias morrem duas pessoas por erros policiais. A cada dez
minutos uma pessoa é assassinada no Brasil, o Anuário de segurança pública
revela ainda que, por dia, seis pessoas foram assassinadas por policiais no
Estado de São Paulo em 2013. Acaba de sair uma matéria no New York Times
indicando que o Brasil é o país mais perigoso do mundo para os homossexuais. De
tal maneira, qualquer estudo mínimo sobre as estatísticas da guerra particular
no Brasil revela os horrores instaurados e provenientes de uma ditadura não
encerrada.
Não
faz muito tempo, entretanto, que tal violência, pelo menos no nível do
discurso, era combatida, mesmo pelos meios hegemônicos de comunicação de
massa.Atualmente, porém, parece que algo se alterou no quadro de interesses da
elite sempre conservadora do país. Agora a carnificina diária apreciada e
difundida pelos programas policialescos instaura um sentimento de terror que se
orienta na criação de um inimigo comum. Aonde isso vai dar, eis a questão, se é
fascismo ou não, é um problema a se pensar. Talvez seja algo ainda pior, posto
que não identificado, mas, já amplamente naturalizado.
*Escritor e mestre em filosofia, atualmente é
doutorando em ética e filosofia política pela Universidade Federal de São Paulo.
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