Este
é o segundo artigo, de uma série de três, com o objetivo de contestar os
argumentos do senador Cristovam Buarque (PPS-DF) em defesa do impeachment. Os
artigos têm como base a entrevista de Cristovam publicada no Jornal Correio
Braziliense no último dia 11 de agosto.
Na
entrevista, Cristovam justifica o apoio ao impeachment de Dilma, dizendo que o
processo não representa um golpe, pois "... não viu nenhum tanque nas
ruas, não viu o fechamento do Congresso, ninguém ser exilado...". Finge
ignorar que as instituições democráticas brasileiras foram capturadas por uma
coalizão conservadora que não engoliu as quatro derrotas consecutivas nas
últimas eleições.
Publicado
originalmente no Brasil 247
Convenhamos
que para alguém que se diz um educador, membro da "intelligentsia"
brasileira e que já foi reitor da Universidade de Brasília, se prender a uma
interpretação literal, caricata e tão reducionista de um golpe, é puro cinismo
ou má-fé.
O
senador argumenta que é necessário virar a página do governo Dilma, que isso
seria bom, inclusive, para a presidenta afastada. E vai adiante ao considerar
que "Dilma deve ter com todo o sentimento histórico que ela tem, ficar na
biografia da guerrilheira heroica e presidente de Estado destituída do que de
guerrilheira heroica e presidente fracassada". O senador chega a comparar o
eventual fracasso do retorno de Dilma ao governo, ao de João Goulart, que,
embora golpeado pelos militares, entrou para a história como um fracassado
"querido, respeitado e admirado".
Cristovam
tem a ousadia e a arrogância de dizer que vota no impeachment em nome da
biografia de Dilma Rousseff, que com esse gesto altruísta estaria fazendo um
bem para Dilma e para o Brasil, insinuando que não seria mal negócio para a
presidenta privilegiar sua trajetória pessoal em detrimento da democracia.
Quem
conhece a trajetória da presidenta Dilma sabe que ela jamais abriria mão da
luta democrática, jamais mancharia sua história pessoal, colocando sua
biografia acima dos interesses do povo brasileiro e dos valores democráticos.
Estamos
falando da primeira mulher presidenta da República, que traz na pele e na alma
as marcas de quem enfrentou de forma altiva e corajosa as salas escuras da
tortura. De uma mulher que não se curvou diante de uma ditadura que maculou,
por 21 anos, a história brasileira.
Essa
mesma mulher guerreira e honrada que enfrentou os tanques, as botas e
baionetas, enfrenta, agora, com a mesma força e coragem, um golpe parlamentar
disfarçado de impeachment, capitaneado por parlamentares corruptos.
De
forma absolutamente equivocada, Cristovam acha que pode medir Dilma pela sua
própria régua. Mas não pode. Primeiro, porque Dilma não estava num exílio
dourado na Europa nos anos mais sombrios do regime militar. Ao contrário, ela
dedicou os melhores anos de sua juventude para enfrentar uma ditadura cruel e
sangrenta, que penalizava com prisão, tortura e morte aqueles que ousavam lutar
por democracia. Segundo, porque Dilma jamais trocaria sua biografia por meros
interesses individuais de ocasião.
Portanto,
ao invés de se preocupar com a biografia que Dilma deixará para as futuras
gerações, Cristovam deveria se preocupar com a sua própria biografia. Ao
defender de forma tão cínica a quebra da legalidade democrática, o senador
reserva o seu lugar na galeria dos golpistas, que, movidos por interesses
escusos, passarão para a história como traidores povo brasileiro.
Cabe
ainda perguntar qual o sentido de fracasso para Cristovam? Em que aspectos o
senador considera o governo Dilma fracassado?
Parece
que Cristovam esqueceu por completo a memória de Darcy Ribeiro, quando este
último afirmou: "Fracassei em tudo o que tentei na vida. Mas os fracassos
são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu".
Cristovam que noutras épocas já perfilou ombro a ombro com os
"fracassados", hoje, prefere estar ao lado dos
"vencedores". Uma lástima!
O
senador se equivoca também ao dizer que está "convencido de que o PT
deseja o impeachment de Dilma" com o intuito de se beneficiar com a
narrativa do golpe. Apesar de ter sido filiado ao PT, partido ao qual deve as eleições
para o governo do Distrito Federal e para o Senado, demonstra, com essa
afirmação, que desconhece o partido. O PT nasceu enfrentando a ditadura, tem em
sua gênese a luta pela liberdade democrática, uma trajetória que se confunde
com a história recente das conquistas de direitos sociais e trabalhistas.
Portanto, não negociaria a democracia em nome de interesses meramente
eleitorais.
Cristovam
tem adotado a estratégia de dar sinais trocados. Reconhece que sua opção pelo
golpe é extremamente desconfortável. De um lado, não garante assento entre os
conservadores de plantão. Do outro, trai covardemente o voto de confiança que
lhe foi concedido por parte de seus eleitores e aliados históricos.
Por
isso, em um dado momento da entrevista, manifesta preocupação em relação aos
desdobramentos do golpe para a disputa presidencial de 2018. Diz que acha
possível uma ruptura, só que a coisa nova pode ser ainda pior que a atual.
"Pode surgir um milagreiro... tem cretinos
por aí que querem aproveitar e entrar. Tem gente que defende a tortura, tem
gente que defende proibir partidos na escola, tem uma direita que pode ser
muito pior do que o que está aí".
No
entanto, o senador desconsidera que ao pactuar com o golpismo está abraçando
aqueles que ele chama de cretinos. Desconsidera que, ao embarcar na aventura
golpista, dá as mãos a figuras como Eduardo Cunha, grande líder dos
conservadores, dos defensores da tortura, do Programa Escola Sem Partido. O
fundamentalismo religioso, patrimonialista e punitivista, articulado por Cunha
na Câmara, está na genealogia desse golpe. Ao votar favoravelmente ao
impeachment, o senador confere mais poder político aos que ele classifica como
cretinos.
O
senador finge ignorar, ainda, que caso Dilma seja definitivamente afastada não
assume o novo. Ao contrário, assume a velha e enxovalhada forma de fazer
política das elites que sempre governaram este País, que busca a todo custo
manter o status quo, os privilégios de uma minoria em detrimento da democracia,
"mãe" de todos os direitos.
Estamos
falando de um pacto das elites, urdido no subterrâneo da legalidade
democrática, que objetiva, entre outras coisas, livrar corruptos da justiça, se
apoderar do Estado para saquear os recursos públicos, promover o desmonte dos
direitos sociais e trabalhistas, atacar a soberania nacional e submeter o
Brasil aos ditames do deus mercado e aos interesses especulativos de banqueiros
e rentistas.
Por
isso mesmo, não deixa de causar alguma surpresa o adesismo de Cristovam ao
golpe. Como alguém que tem a pretensão de ser reconhecido no Brasil e no mundo
como um defensor da educação – pode votar a favor de um impeachment
absolutamente ilegal e ilegítimo, que visa à destituição de uma presidenta
eleita democraticamente pelos votos de 54 milhões de brasileiros, para colocar
no poder um governo que, sob o discurso retórico de promover o ajuste fiscal,
tem como principal objetivo a supressão de direitos da população brasileira; cassar
direitos dos trabalhadores, substituindo o legislado pelo negociado; entregar o
petróleo - incluindo o pré-sal - e outras riquezas nacionais ao capital
estrangeiro; a demissão de servidores e a terceirização dos serviços públicos;
acabar com o SUS, com as universidades públicas e com outros programas de
acesso à educação; a privatização das empresas estatais; a supressão dos
programas sociais de redução da pobreza e de combate à exclusão social; entre
tantas outras propostas de retrocesso social e de desmonte do Estado? Trata-se
do retorno da velha cantilena neoliberal, do imperativo de precarizar para
privatizar.
Não
à toa, a principal matéria do governo golpista enviada ao Congresso Nacional é
a PEC 241/2016 que pretende instituir um "novo" Regime Fiscal para a
União. A proposta congela, por 20 anos, investimentos em políticas públicas
fundamentais como saúde e educação. Para que se tenha uma idéia do que essa
proposta significa, basta dizer que, segundo estimativas preliminares de
especialistas em políticas sociais e de entidades representativas de gestores
governamentais, se a PEC for aprovada neste ano, no período de 2017-2025,
haverá uma redução, de mais de R$ 300,0 bilhões nos recursos públicos federais
destinados apenas às áreas da Educação, Saúde e Assistência Social, na
proporção de 17%, 47% e 36%, respectivamente.
Ao
propor essa PEC, o governo golpista assume que, além de rasgar a Constituição,
irá rasgar também o Plano Nacional de Educação (PNE). Isso porque, o
congelamento de recursos para o setor significa inviabilizar o cumprimento das
metas e estratégias definidas no Plano.
Metas
que envolvem números grandiosos, a exemplo, da criação de 3,4 milhões de
matrículas em creches, 700 mil na pré-escola, 500 mil no Ensino Fundamental,
1,6 milhão no Ensino Médio e cerca de 2 milhões no Ensino Superior público. Ou
seja, ao propor a drástica redução das despesas da União na área da educação,
para citar apenas um exemplo, o governo golpista assume que não irá cumprir a
Lei.
Diante
do exposto, fica, pois, a dúvida: qual será a nova bandeira a ser empunhada
pelo senador Cristovam em sua vida pública, pois será impossível votar a favor
do golpe e ao mesmo tempo querer assumir o discurso de defensor da educação.
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