Para onde foram os vereadores do Crato?, por Sônia Meneses



A Câmara Municipal de Crato, por intermédio da Comissão de Cultura e Assistência Social da casa, reuniu-se nesta sexta-feira, 20, em audiência pública para debater junto com a sociedade uma proposta de emenda à lei orgânica que visa proibir a discussão de gênero na grade curricular da Rede Pública e Particular de Ensino desta municipalidade.

A audiência ocorreu quatro dias após a apresentação da emenda de autoria do vereador Roberto Pereira Anastácio, conhecido por Bebeto, com assento na casa pelo PODEMOS e, contou a participação de vários professores (as), alunos (as), movimentos sociais e juristas. O momento se configura como uma demonstração de que a comunidade cratense não está inerte as atrocidades e aos atos homofóbicos que querem se sobrepor em formato de “lei”.

Ela evidencia ainda que a educação necessita cumprir com o seu real significado, a saber, está SEMPRE a serviço da cidadania, da politicidade e da promoção da igualdade com respeito as diferenças e não o seu oposto como propõe o vereador. Estas não são palavras em vão, não estão desconexas da realidade, ao contrário. Elas podem facilmente serem encontradas na CF/88, na LDB 9394/96, nos PCNs, nas Diretrizes Curriculares Nacionais e no próprio PNE.

Propor a proibição de "ideologia de gênero" nas escolas é de uma falta de conhecimento acerca do tema que chega a dá dó. Trata-se, na verdade, de questões de gênero e esta como tal, significa dizer que existe um mundo para além de homem e mulher. Significa dizer que necessitamos e com urgência promover ações de combate ao preconceito contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros. Elxs existem e querem ser reconhecidxs como tal e a escola como espaço privilegiado não pode e não deve se furtar desse processo.



Mas a audiência também serviu para comprovar que o autor de mente alicerçada na idade média e nos porões da ditadura civil-militar que vigorou por aqui entre 1964 e 1985 e seus (as) apoiadores (as) não estão preparados para o confronto de ideias, como salientou a Professora Dr.ª Sônia Meneses, da Universidade Regional do Cariri (URCA). Em texto publicado na rede social facebook, Sônia criticou a ausência da maioria dos (as) parlamentares e a proposta em xeque.

Prof.ª Dr.ª Sônia Meneses. (Foto: Reprodução/Facebook).
Ao parabenizar o vereador Amadeu de Freitas (PT) por conduzir os trabalhos e “não deixar passar essas aberrações em brancas nuvens”, ela indagou “para onde foram os vereadores do Crato?” e destaca “sequer o proponente esteve presente. Dos vereadores da casa apenas 4, isso mesmo, 4 compareceram. Os demais nos deram o recado de que nossa presença lá era indiferente”.

Segundo a professora, é inadmissível que um grupo de legisladores que deve representar a quem tanto pede o voto (o povo) virar-lhes as costas. A docente é taxativa ao elucidar que os edis não possuem legitimidade para deliberar acerca da temática e faz duras críticas a emenda:

Negaram-se a debater. O que é pior, acham que tem legitimidade para deliberar sobre um tema que não conhecem, não dominam, não se interessam realmente em saber. A proposta de lei é uma anomalia jurídica, conceitual e pedagógica. Infringe não apenas preceitos fundamentais de nossa constituição, da LDB, e de várias leis internacionais”.

Sônia ainda explicou que a proposta é “uma afronta, uma peça de estupidez” ao desrespeitar “décadas de pesquisas, estudos, lutas pelos direitos humanos” e que esta desconsidera “a autonomia de universidades, conselhos estaduais e nacionais de educação e o direito fundamental dos indivíduos à informação”.

A docente universitária, que também gerencia o Seminário Nacional de História e Contemporaneidades e o Laboratório de Pesquisa em História Cultural (Lapehc), conclui sua análise afirmando a necessidade de se falar sobre gênero e que os vereadores não irão calar “nossas vozes”:

Não vereadores, não nos calarão. Por mais que seu texto infundado queira cercear nossas vozes, nós falaremos. Porque cada criança, adolescente e jovem deve saber que tem o direito à vida dentro de sua afetividade e sexualidade, sem ser assassinado nas cidades do Brasil. Falaremos. Falaremos, porque o papel de nós educadores deve ser, sobretudo, a defesa da liberdade”.

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