A
controvérsia em torno da chamada "ideologia de gênero" ganhou um novo
e importante capítulo nos tribunais. Uma decisão ainda inédita do ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso obtida pelo GLOBO suspendeu
lei de Paranaguá (PR) que proíbe informações sobre gênero e orientação sexual
nas escolas mantidas pela prefeitura do município paranaense e até mesmo a
utilização de tais termos.
A
decisão em caráter liminar, que precisa passar pelo plenário do Supremo,
representa uma vitória da Procuradoria-Geral da República (PGR) que, somente no
último mês, protocolou sete ações na Corte, incluindo a de Paranaguá, contra
leis municipais que vetam conteúdos relacionados à sexualidade e gênero nas
escolas.
Na
decisão, Barroso afirma que a lei de Paranaguá é inconstitucional porque
somente a União teria competência para legislar sobre diretrizes educacionais e
normas gerais de ensino. Mas também pelo fato de, ao impedir o acesso a
conteúdos sobre uma dimensão fundamental da experiência humana e para a vida em
sociedade, viola o princípio constitucional da proteção integral da criança e
do adolescente.
"Não tratar de gênero e de orientação sexual
no âmbito do ensino não suprime o gênero e a orientação sexual da experiência
humana, apenas contribui para a desinformação das crianças e dos jovens a
respeito de tais temas, para a perpetuação de estigmas e do sofrimento que
deles decorre", aponta Barroso na decisão.
"Por óbvio, tratar de tais temas não implica
pretender influenciar os alunos, praticar doutrinação sobre o assunto ou
introduzir práticas sexuais. Significa ajudá-los a compreender a sexualidade e
protegê-los contra a discriminação e a violência", pontua o ministro.
"Impedir a alusão aos termos gênero
e orientação sexual na escola significa conferir invisibilidade a tais
questões. (...) Significa valer-se do aparato estatal para impedir a superação
da exclusão social e, portanto, para perpetuar a discriminação".
Barroso
citou dados sobre violência contra transgêneros no Brasil, mencionando que eles
têm expectativa de vida em torno de 30 anos no país, contra os quase 75 anos do
brasileiro médio. O ministro colocou a escola como local fundamental para que
os estigmas sejam rompidos, até mesmo porque em geral é onde o preconceito
começa.
"Nesse sentido, o mero silêncio da escola
nessa matéria, a não identificação do preconceito, a omissão em combater a
ridicularização das identidades de gênero e orientações sexuais, ou em ensinar
o respeito à diversidade, é replicadora da discriminação e contribui para a
consolidação da violência às crianças homo e trans", afirma ele.
O
ministro citou um caso famoso da Suprema Corte dos Estados Unidos, Brown versus
Board of Education, no qual foi reconhecida a inconstitucionalidade da
imposição de escolas separadas para brancos e negros. Um dos fundamentos foi de
que "as escolas são um ambiente
essencial para a formação da cidadania, para promoção de valores culturais e da
igualdade, e que a mera separação contribuía para a perpetuação da
discriminação racial", destacou Barroso em sua argumentação.
Ele
mencionou ainda que o Tribunal Constitucional Alemão reconheceu a
constitucionalidade da introdução da educação sexual no currículo do ensino
fundamental, observando que "a
missão das escolas não é apenas a de transmitir conhecimento geral, mas
sobretudo de possibilitar uma educação mais ampla e preparar o cidadão para a
vida em sociedade", esclarecendo que "a educação sexual é parte da
formação do indivíduo e que o Estado tem o dever de oferecer aos jovens uma
educação compatível com a vida contemporânea".
Barroso
encaminhou a liminar para o plenário do Supremo, que pode referendar ou
derrubar a decisão, e pediu ao prefeito e à Câmara Municipal de Paranaguá que
se manifestem, assim como a Advovacia-Geral da União. Além do caso de
Paranaguá, a PGR protocolou no último mês ações questionando leis semelhantes
editadas pelas prefeituras de Novo Gama (GO), Cascavel (PR), Blumenau (SC),
Palmas (TO), Tubarão (SC) e Ipatinga (MG).
No
caso do Novo Gama (GO), o relator da ação, o ministro Alexandre de Moraes,
determinou que o processo não seguisse no Supremo porque entendeu que a PGR
deveria ter acionado o Tribunal de Justiça de Goiás para questionar a lei do
município. Nas demais ações, distribuídas a diferentes ministros, não houve
decisão ainda.
A
decisões divergentes de Alexandre e Barroso em relação a ações semelhantes
mostram um longo caminho no Supremo para a ofensiva da PGR contra leis que
proíbem conteúdos relacionados a gênero nas escolas país afora. Além dos
processos recentes que questionam normas municipais, há duas ações diretas de
inconstitucionalidade no STF para derrubar uma lei estadual de Alagoas com o
mesmo tipo de proibição. (Com informações
do O Globo).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!