Mostrando postagens com marcador Angela Davis. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Angela Davis. Mostrar todas as postagens

Angela Davis: “O Brasil ainda me dá esperança”


Histórica ativista e filósofa angela davis em visita a são paulo.
(FOTO/Giovanna Galvani/CartaCapital).


A filósofa e militante Angela Davis declarou nesta segunda-feira 21, durante sua passagem por São Paulo, que vir ao País ainda lhe desperta “esperança”, e não é o contexto do Brasil de Bolsonaro que muda a ideia da ativista. “Há uma vibração, um pulso coletivo nos jovens, principalmente nas mulheres negras e jovens, que é muito grande”, ressaltou.

Seminário sobre democracia traz ao Brasil Angela Davis


A estadunidense Angela Davis fará a conferência de encerramento
com o tema "A liberdade é uma luta constante" / Divulgação.

Um grande seminário com 50 convidados nacionais e internacionais pretende discutir as origens, os limites e as perspectivas da Democracia no Brasil no mundo entre os dias 15 e 19 de outubro, em São Paulo.

A vida e a luta de Angela Davis, desde os anos 1960 até o discurso na Marcha das Mulheres nos EUA


A vida e a luta de Angela Davis, desde os anos 1960 até o discurso na Marcha das Mulheres nos EUA / Foto: Divulgação - Reprodução - Hypeness.

Negra, mulher, ativista, marxista, feminista e, acima de tudo, lutadora, a educadora e professora americana Angela Davis certamente pertence ao segundo time – e não exatamente por escolha: mulheres negras que quiseram um mundo mais justo, especialmente no início dos anos 1960, não tinham outra possibilidade que não o árduo caminho da luta.

"Não reivindicamos inclusão numa sociedade racista, misógina, patriarcal e capitalista”, diz Angela Davis em palestra


"Mulheres representam o futuro, mulheres negras são a esperança de liberdade, afirmou Davis, na UFBA/ Créditos: Juh Almeida/ Jornalistas Livres.

A filósofa e ativista norte-americana Angela Davis, símbolo da luta pelos direitos civis da população negra, esteve ontem (25) em Salvador, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), para falar da luta das mulheres negras, em um momento "difícil" no qual o mundo assiste a uma guinada à direita, com a ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos e o "golpe antidemocrático" ocorrido no Brasil. Para um auditório lotado, a professora do Departamento de Estudos Feministas da Universidade da Califórnia afirmou que, após a derrubada de Dilma Rousseff, o movimento das mulheres negras criou "a melhor esperança para o futuro do Brasil".

Do CEERT - A vinda de Angela Davis ao Brasil faz parte das celebrações do Dia da Mulher Negra Latino-Caribenha, comemorado nessa terça-feira, com atos em diversas partes do país, e também do Julho da Pretas, que marca o mês com discussões e palestras sobre a identidade negra. Ela destacou a longa história de luta pela liberdade e a herança cultural e religiosa das mulheres negras na Bahia, citando, como exemplo, a Irmandade da Boa Morte, uma confraria de mulheres negras que existe desde o século 19.

Em palestra intitulada "Atravessando o tempo e construindo o futuro da luta contra o racismo", ela afirmou ser "indescritível" a sensação de viver num país liderado por Trump. "Nós resistiremos. Em todos os dias da administração Trump, resistiremos. Resistiremos ao racismo, à exploração capitalista, ao hetero-patriarcado, à islamofobia e ao preconceito contra pessoas com deficiência. Defenderemos o meio ambiente dos ataques insistentes e predatórios do capital."

Angela também fez menção ao movimento Black Lives Matter (As Vidas dos Negros Importam), que, nos Estados Unidos, vem ganhando destaque nos últimos anos pela luta contra a violência policial que atinge mais incisiva e cotidianamente a população negra.

Auditório lotado na UFBA. Crédito: Juh Almeida.

"Nós sabemos que as transformações históricas sempre começam pelas pessoas. Essa é a mensagem do movimento Black Lives Matter. Quando as vidas negras começarem a realmente importar, significara que todas a vidas têm importância. Quando a vida das mulheres negras importar, o mundo será transformado e saberemos, com certeza, que todas as vidas importam", destacou a ativista.

Angela Davis também denunciou a política de encarceramento em massa, que também se desdobra em racismo institucional, já que afeta desmedidamente a população negra, e destacou a necessidade de se combater as formas institucionais e individuais de violência e cerceamento de liberdades dessas populações, mas sem esbarrar em uma perspectiva de vingança.

"Esta é a chamada feminista negra por formas de justiça que não sejam vingativas. Mulheres negras representam o futuro. Mulheres negras são a esperança de liberdade. Não reivindicamos inclusão numa sociedade racista, misógina, patriarcal e capitalista. Afirmamos o feminismo abolicionista", afirmou.

Após a palestra, ela respondeu a perguntas de estudantes e jornalistas, e destacou a importância das manifestações culturais nos movimentos de resistência, como foi a música para o movimento abolicionista nos Estados Unidos, e ressaltou a importância de integração entre os jovens, que preservam a vitalidade da luta, e os mais velhos, que conservam o conhecimento acumulado. "Qualquer movimento que tenha expectativa de provocar uma mudança duradoura, deveria reconhecer a importância da comunicação entre diferentes gerações.

Ela também manifestou solidariedade a Rafael Braga, jovem negro preso nas manifestações de 2013, por portar uma garrafa de desinfetante, considerado como material explosivo pelas forças de segurança e pela Justiça, e frisou a necessidade de cooperação internacional para a libertação de presos políticos.

Assista à palestra na íntegra, transmitida pela TVE Bahia:

           

Conheça a trajetória de Angela Davis: a mulher mais perigosa do mundo


Na última segunda-feira (26), a ativista e professora Angela Yvonne Davis completou 71 anos, um ótimo momento para relembrar a trajetória desta brilhante militante do coletivo Panteras Negras, que teve o seu nome, recentemente, alçado à fama mundial por conta do documentário Free Angela Davis, que trata do período em que esteve presa, o que provocou uma mobilização nacional pela sua libertação.

A mais perigosa

Angela Yvonne Davis é natural do estado do Alabama, considerado um dos mais racistas do sul dos Estados Unidos e, de acordo com a sua autobiografia, desde criança sofreu na pele humilhações racistas. Leitora voraz desde criança, aos 14 ganhou uma bolsa para estudar em Greenwich Village, em Nova Iorque, fato que transformaria a sua vida, pois é neste momento que ela entra em contato com as teses comunistas e inicia a sua militância no movimento estudantil.


Ainda nos idos de 1960, Davis tornou-se militante ativa do Partido Comunista e do Panteras Negras, que à época lutava para conquistar o apoio da sociedade para libertar três militantes negros que estavam presos: George Jackson, Fleeta Drumgo e John Clutchette, conhecidos como os “irmãos soledad”, já que estavam detidos na Prisão de Soledad, em Monterey.

Em agosto de 1970, o FBI (Federal Bureau of Investigation) incluiu o nome de Angela Davis na lista dos dez fugitivos mais procurados pelo FBI. Na mesma época, o presidente de então, Richard Nixon, chegou a declarar que “Angela Davis era uma ativista muito perigosa”. Assim, tornou-se a ativista negra classificada pelas forças estatais como a “mais perigosa” e “mais procurada”, pois estava em fuga.

No dia 7 de agosto, Jonathan Jackson, irmão de George, juntamente com outros dois companheiros, interromperam um julgamento onde o réu era o ativista James McClain, que respondia pela acusação de ter esfaqueado um policial. Jackson e os colegas conseguiram render McClain, porém, durante a fuga, houve troca de tiros e Jackson e um outro membro foram mortos. O juiz Harold Haley também acabou morto e as investigações levaram para o “fato” de que a arma utilizada por Jonathan Jackson estava registrada no nome de Angela Davis.

A prisão de Angela Davis foi decretrada e a fotografia de “procurada” estampada nas vias públicas e nos principais jornais. Após dois meses, Davis se entregou. O seu julgamento levou 18 meses, tempo em que esteve presa e que resultou no livro “Angela Davis – Autobiografia de uma revolucionária”. A campanha pela libertação de Angela Davis, que ganhou a chamada de “Free Angela Davis” teve forte repercussão na sociedade norte-americana e contou com o apoio de figuras como John Lennon e Yoko Ono e da banda The Rolling Stones, ambos compuseram músicas em homenagem a Davis.

Da luta racial para a luta da abolição

Em 1980 e 1984, Angela Davis foi candidata a vice-presidente da República pelo Partido Comunista dos EUA na chapa de Gus Hall. Desde a sua saída da prisão, Davis passou a entender o sistema carcerário como uma continuação das políticas racistas contra negros e imigrantes dos Estados Unidos. Desde então, seu ativismo político e acadêmico tem centrado fogo nesta questão.

Atualmente, a sua principal luta diz respeito à eficácia das políticas de cárcere. “O aprisionamento é a única maneira de tratar os crimes e as disfunções sociais? As despesas prolongadas com os aprisionamentos valem os benefícios momentâneos de supostamente deter o crime?”, questiona. Essa linha de pensamento é chamado por Davis de “democracia da abolição”.

A democracia da abolição é, portanto, a democracia que está por vir, a democracia que será possível se dermos continuidade aos grandes movimentos de abolição da história norte-americana, aqueles em oposição à escravidão, ao linchamento e à segregação. Enquanto a indústria do complexo carcerário persistir, a democracia norte-americana continuará a ser falsa. Uma democracia falsa desse tipo reduz o povo e suas comunidades à subsistência biológica mais crua, pois ela os exclui da lei e da sociedade organizada”, explica Angela Davis.

A ativista do abolicionismo do século XXI é muito objetiva ao dizer que é necessário desmantelar as ferramentas de opressão e não passá-las às mãos daqueles que a criticam. “O desafio do século XXI não é reivindicar oportunidades iguais para participar da maquinaria da opressão, e sim identificar e desmantelar aquelas estruturas nas quais o racismo continua a ser firmado. Este é o único modo pelo qual a promessa de liberdade pode ser estendida às grandes massas”, avalia Davis.

Angela Davis também é uma crítica ferrenha a situação das mulheres em cárcere e o assunto ganhou destaque desde a estreia da série Orange is the New Black, que trata do cotidiano de mulheres encarceradas. Em entrevista ao jornal Los Angeles Times, Davis foi questionada se assistia a série e qual era a sua opinião. “Eu não só assisti a série, mas li o livro de memórias [de Piper Kerman , que deu origem a série]. Ela tem uma análise muito mais profunda do que se vê na série, mas como uma pessoa que olhou para o papel das prisões femininas na cultura visual, principalmente filmes, acho que a série não é ruim. Há tantos aspectos que muitas vezes não aparecem em representações de pessoas nessas circunstâncias opressivas. Doze Anos de Escravidão, por exemplo, uma coisa que eu perdi naquele filme era uma sensação de alegria, alguma sensação de prazer, algum senso de humanidade”, critica Davis.




O Discurso de Angela Davis na Marcha das Mulheres (traduzido)


No dia 21 de Janeiro, centenas de milhares de mulheres mobilizaram-se em diversos países na Women’s March, por justiça social, direitos iguais e contra o avanço conservador no mundo sintetizado na figura de Donald Trump, agora Presidente dos Estados Unidos.

Tradução de Juliana Borges


Abaixo uma tradução, livre, que fiz do discurso de Angela Davis, filósofa e feminista negra. Um dos mais marcantes de toda a Women’s March.

 Em um momento histórico desafiador, vamos nos lembrar que nós somos centenas de milhares, milhões de mulheres, transgêneros, homens e jovens que estão aqui na Marcha das Mulheres. Nós representamos forças poderosas de mudança que estão determinadas a impedir as culturas moribundas do racismo e do hetero-patriarcado de levantar-se novamente.

Nós reconhecemos que somos agentes coletivos da história e que a história não pode ser apagada como páginas da Internet. Sabemos que esta tarde nos reunimos em terras indígenas e seguimos a liderança dos povos originários que, apesar da massiva violência genocida, nunca renunciaram a luta pela terra, pela água, pela cultura e pelo seu povo. Nós saudamos hoje, especialmente, o Standing Rock Sioux.

A luta por liberdade dos negros, que moldaram a natureza deste país, não pode ser apagada com a varredela de uma mão. Nós não podemos esquecer que vidas negras importam. Este é um país ancorado na escravidão e no colonialismo, o que significa, para o bem ou para o mal, a real história de imigração e escravização. Espalhar a xenofobia, lançar acusações de assassinato e estupro e construir um muro não apagarão a história.

Nenhum ser humano é ilegal!

A luta para salvar o planeta, interromper as mudanças climáticas, para garantir acesso a água das terras do Standing Rock Sioux, à Flint, Michigan, a Cisjordânia e Gaza. A luta para salvar nossa flora e fauna, para salvar o ar – este é o ponto zero da luta por justiça social.

Esta é uma Marcha das Mulheres e ela representa a promessa de um feminismo contra o pernicioso poder da violência do Estado. E um feminismo inclusivo e interseccional que convoca todos nós a resistência contra o racismo, a islamofobia, ao anti-semitismo, a misoginia e a exploração capitalista.

Sim, nós saudamos o ‘Fight for 15’. Dedicamos nós mesmas para a resistência coletiva. Resistência aos bilionários exploradores hipotecários e gentrificadores. Resistência a privatização do sistema de Saúde. Resistência aos ataques contra muçulmanos e imigrantes. Resistência aos ataques contra as pessoas com deficiência. Resistência a violência do Estado perpetrada pela polícia e através da indústria do complexo prisional. Resistência a violência de gênero institucional e doméstica, especialmente contra mulheres trans negras.

Direitos das mulheres são direitos humanos em todo o planeta. E é por isso que nós dizemos ‘Liberdade e Justiça para a Palestina!’. Nós celebramos a iminente libertação de Chelsea Manning e Oscar Lopez Rivera. Mas também dizemos ‘Liberdade para Leonard Peltier! Liberdade para Mumia Abu-Jamal! Liberdade para Assata Shakur!’

Nos próximos meses e anos nós estamos convocadas a intensificar nossas demandas por justiça social e nos tornarmos mais militantes em nossa defesa das populações vulneráveis. Aqueles que ainda defendem a supremacia masculina branca e hetero-patriarcal devem ter cuidado!

Os próximos 1459 dias da gestão Trump serão 1459 dias de resistência: Resistência nas ruas, nas escolas, no trabalho, resistência em nossa arte e em nossa música.

Este é só o começo. E termino nas palavras da inimitável Ella Baker: ‘Nós que acreditamos na Liberdade não podemos descansar até que ela seja alcançada!’ Obrigada.

(Angela Davis, Women’s March. 21.01.2017. Washington/EUA)

Conheça a professora Angela Davis – A Pantera Negra



Angela Davis é uma mulher muito digna, e também muito bonita, uma mulher de 70 anos. É professora de filosofia na Universidade de Santa Cruz, que fica entre São Francisco e Monterey, na Califórnia. Está tranquila. Ensina a seus estudantes as teorias de Karl Marx, Herbert Marcuse, Mikhail Bakunin. Quando substituímos o penteado comportado de hoje pelo black power, que se parece com uma formidável auréola negra no meio da qual estava encaixado um rosto bastante puro, então lembramo-nos de seu nome. Essa professora já idosa de Santa Cruz chama-se Angela Davis. Há 40 anos, ela foi uma das pessoas mais célebres do mundo. Uma das mais detestadas. Uma das mais admiradas.

Ela adotou o penteado dos rebelados no Quênia e fez do penteado Afro um simbolo do orgulho negro. Foto: Melloul/Corbis/Latinstock.
Deus ou Diabo

O mundo se dilacerava em torno de Angela. Em Paris, 100 mil pessoas desfilavam na rua gritando seu nome, atrás de Jean-Paul Sartre e do poeta Louis Aragon. Na Inglaterra, os Beatles e os Stones entusiasmavam as multidões cantando "a pantera negra". Na mesma época, nos Estados Unidos, o presidente Richard Nixon a amaldiçoava. Ronald Reagan, governador da Califórnia, tentou expulsá-la para sempre de qualquer universidade do estado. O chefe do FBI, Edgar J. Hoover, lançava suas tropas para caçá-la e jogá-la em uma prisão de isolamento absoluto. Essa era Angela Davis: um Diabo ou um Bom Deus. Hoje, quase meio século depois, ela não renegou nada. Está intacta.

Ela nasceu em 1944, em Birmingham, no Alabama. Não é um bom lugar para nascer quando se é negra. A América daquela época, pelo menos o sul, odiava os negros: rixas, linchamentos, Ku Klux Klan. Os pais de Angela faziam parte da pequena burguesia - o pai era professor de história na escola secundária, mas recebia tão pouco que pediu demissão para abrir um posto de gasolina; a mãe ensinava na escola primária. Eram comunistas. Moravam no bairro de Dynamite Hill. Por que esse nome? Os brancos não aceitavam que negros se instalassem próximos a eles. De tempos em tempos, as casas explodiam.

Aos 12 anos, Angela participa do boicote a um ônibus que praticava segregação. Dois anos mais tarde, graças a uma bolsa, ela vai para Nova York e continua seus estudos em um liceu de esquerda chamado Little Red School House. A moça é brilhante. Radicaliza-se. Entra na Universidade de San Diego, na Califórnia, e ali começa a militar contra a Guerra do Vietnã. Primeira prisão.

Mas é um pouco solitária. Mesmo nos movimentos negros não encontra seu lugar. Eram duas as tendências dominantes: uns sonhavam com revoltas negras hiperviolentas, como as de Watts ou as de Detroit. Do outro lado, Martin Luther King, personagem suave e brilhante, preferia "o integracionismo". Angela rejeita as duas posições. A única saída que ela vê é o marxismo, a luta política cujo horizonte apenas o socialismo ilumina. Mas a maioria de seus amigos negros rejeita o marxismo, tido como "doutrina de homem branco". Além do mais, ainda que Angela Davis seja marxista, ela não deseja aderir ao comunismo oficial.


Black Panther

Finalmente, ela adere ao Black Panther Party, organização revolucionária que rejeita tanto o integracionismo quanto o separatismo. Criado em 1966 por Bobby Seale e Huey P. Newton, dois estudantes de Oakland, era para ser pacífico. No início, se chamavam de "os pombos". Mas o pombo, delicado e arrulhador, não estava dando certo. Influenciados por outro líder negro ilustre, Malcolm X, eles endurecem. Para responder com violência à violência dos brancos, adotam o símbolo da pantera negra.


Caçada

Em 1970, um pantera negra perigoso, George Jackson, estava encarcerado na prisão Soledad, na Califórnia, onde formava, com dois outros detentos, os "Irmãos de Soledad". Eram acusados de matar um guarda penitenciário branco em retaliação à execução de outros três detentos negros. Em agosto daquele ano, na alegada luta para denunciar os maus-tratos a negros nos presídios americanos, o irmão de 17 anos de George, Jonathan, invadiu o tribunal de Marin County e tomou o juiz Harold Haley como refém. Há luta. Quatro são mortos, inclusive Jackson e Haley. A polícia examina a arma. O relatório acusa: o fuzil de cano cortado cuja bala atingiu a cabeça do juiz pertencia a Angela Davis.

Estupor. O diretor do FBI, Edgar Hoover, lança seus exércitos à procura de Angela e a inscreve na lista das dez pessoas mais procuradas nos Estados Unidos, a famosa Lost Wanted List. Ela foge. Por quê? "Teria sido morta", diz ela hoje. Hoover manda prender centenas de mulheres que se parecem com ela. Sua foto está em todo lugar com a seguinte legenda de western: Armada e perigosa. Ela se disfarça. A polícia revista as comunidades negras. No sul do país, milhares de casas mostram este cartaz: Angela, nossa irmã, você é bem-vinda nesta casa. Mas o FBI tem mãos de ferro. Angela é presa em outubro em Nova York.


Reclusão

No exterior, um enorme movimento se ergue em seu favor, com as pessoas nas ruas. O poeta surrealista Jacques Prévert publica um texto belo com um choro: Angela em sua prisão escuta sem poder ouvi-las, e talvez sorrindo, as canções de seus irmãos de fé, de riso e de dor, e os refrões engraçados das crianças do gueto. Aqueles que enclausuram os outros sentem o enclausurado. Aqueles que estão enclausurados sentem a liberdade. (...) É preciso libertar Angela - enquanto não chega o dia em que serão condenadas todas as portas atrás das quais a vida negra está enclausurada.

Em Londres, Mick Jagger e Keith Richards cantam: Tem um doce anjo negro /Tem uma pin-up,/ Tem um doce anjo negro,/ Pregado na minha parede/ Bem, ela não é nenhuma cantora, ela não é nenhuma estrela/ Mas com certeza ela fala bem, com certeza ela se move rápido/ Mas essa garota está em perigo, ela está acorrentada (...) Não existe ninguém para libertá-la?/ Libertem a doce escrava negra/ Libertem a doce escrava negra.

Em Londres, outro canto é retomado por milhares de vozes. Este foi escrito por Yoko Ono: Irmã, você ainda é a professora do povo,/ Irmã, sua palavra chega longe/ Irmã, existem um milhão de raças diferentes,/ Mas todos nós dividiremos o mesmo futuro no mundo./ Eles te deram a luz do sol,/ Te deram o mar/ Te deram tudo menos a chave desta prisão,/ Sim, te deram café,/ Te deram chá/ Eles te deram tudo menos a igualdade.


Black is beautiful

Enquanto as multidões do mundo gritam seu nome, Angela permanece presa, em isolamento absoluto, durante 16 meses. "Eles queriam me quebrar, ela diria mais tarde. Me enlouquecer. Eu escrevi, refleti. Aprendi ioga nos livros. Vivi momentos muito duros, de angústia, de claustrofobia. E momentos de graça. Eu não podia desabar." Em 5 de janeiro de 1971, ela é acusada de assassinato, sequestro e conspiração pelo caso Marin County. Em 1972, é absolvida e, mais livre que nunca, se torna uma celebridade mundial. Em toda parte, aparece a longa silhueta da combatente, seu rosto de porcelana, a imensa cabeleira afro. Black is beautiful.

Às vezes imaginamos que Angela inventou esse penteado. Nada disso. O penteado afro lhe foi dado pela história. Ele vem das colônias italianas do Quênia, quando os negros rebelados rejeitam o cabelo liso europeu e criam o estilo afro, que, mais tarde, dará a volta ao mundo como um símbolo de orgulho negro, com o pente afro acabando em black fist colocado nos cabelos.

A prisão, o terror, o isolamento não destruíram Angela. Ela martela sua pregação mantendo-se distante tanto dos comunistas, que ela acha "psicorrígidos", quanto dos que defendiam o nacionalismo negro, com combates, criação de uma nação afro-americana ou mesmo a volta para a África.


Mulher e negra

A voz de Angela é quase única também por associar em uma mesma profecia a luta pela dignidade dos negros e a emancipação feminina. "Havia um machismo maciço, ela se lembra, tanto entre os comunistas quanto no nacionalismo negro. As mulheres não eram consideradas capazes de carregar a causa, de serem líderes." Seria não conhecer bem Angela acreditar que ela iria se limitar, nas organizações negras, à tarefa de passar o pano no chão ou preparar a marmita dos senhores.

Então será que ela vai adotar o combate das feministas americanas da década de 70? Meu Deus! "Mas essas mulheres eram burguesas demais para mim. Elas eram brancas e lutavam pelo direito ao trabalho e ao aborto. Mas as negras já tinham uma profissão. Elas eram domésticas. Minha concepção do feminismo é a de uma emancipação que vai além das fronteiras estabelecidas. As questões de sexualidade, de raça, de classe e de gênero estão intimamente ligadas."

E ela oferece esta bela fórmula: "Meu objetivo sempre foi encontrar pontos entre as ideias e derrubar os muros. E os muros derrubados se transformam em pontes". Inimigo, o raivoso Louis Farrakhan, chefe da Nação do Islã que organizou a Marcha do 1 Milhão em 1995, acusou Angela de ser lésbica. Por isso não. Em 1997, na revista Out, ela declara: "Sim, sou lésbica".


Longo caminho

A América mudou muito desde o tempo em que a menina de 12 anos boicotava um ônibus porque os negros não tinham o direito de andar ao lado dos brancos nos transportes públicos. Ângela reconhece os progressos. Em sua juventude, raros eram os negros no ensino superior. Hoje, eles são milhões. Mas a estrada é longa ainda, ela repete. Diante da observação de que uma coisa inacreditável aconteceu, a eleição de um negro para a Presidência dos Estados Unidos, ela modera o entusiasmo. "Hoje, ninguém na Casa Branca parece se preocupar com o fato de que 1 milhão de negros estão nas prisões americanas."

É assim que fala a mulher de Santa Cruz, em uma universidade dessa Califórnia que Nixon e Reagan juraram lhe proibir para sempre. Ela ensina Kant e Hegel, Platão, Merleau-Ponty e Theodore Adorno, Herbert Marcuse. Ela não usa mais o cabelo afro. Às vezes ela tem dreadlocks, essas mechas misturadas que se formam sozinhas quando os cabelos crescem naturalmente ou quando são antes trançados. Ela está ali, tranquila, resoluta, intratável. Ela foi um momento trágico da história dos Estados Unidos. Ela permanece um momento da história do mundo.