Mostrando postagens com marcador Trabalho Escravo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Trabalho Escravo. Mostrar todas as postagens

Trabalho escravo: "Nossa elite sempre vilanizou o trabalho", diz historiador

 

Imagem ilustrativa. A época da escravidão. (Crédito | Unsplash).

O artigo 149 do Código Penal delimita as características de um crime recorrente na sociedade brasileira: o trabalho análogo à escravidão. O trabalhador é reduzido à condição semelhante à de um escravizado quando é submetido a atividades forçadas – aquelas realizadas sob ameaça física ou psicológica –, jornadas exaustivas, em condições degradantes ou com restrição a sua locomoção. Estão incluídos, também, aqueles empregados em regime de servidão por dívidas.

O número de casos de trabalhadores brasileiros ainda sujeitos a esse regime de labor análogo à escravidão é desolador e lembra o passado escravista do país. A escravidão no Brasil foi um sistema que perdurou por mais de 300 anos, até sua abolição, pelo menos ofcialmente, com a Lei Áurea, em 1888. A tipificação do trabalho análogo à escravidão no Código Penal ampliou as definições do que é privação de direitos em um regime trabalhista, como ocorrida na época da escravatura.

A Fórum conversou com o historiador Marcelo Cardoso, professor e advogado formado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), com o objetivo de entender as raízes históricas desse problema moderno.

__________

Clique aqui e confira integra da entrevista.

Com 2.500 vítimas em 2022, Brasil chega a 60 mil pessoas resgatadas da escravidão

 

Operação resgata 34 pessoas de condições análogas à escravidão em fazenda de café em MG - Sérgio Carvalho/Inspeção do Trabalho.

O Brasil encontrou 2.575 pessoas em situação análoga à de escravo em 2022, maior número desde os 2.808 trabalhadores de 2013, segundo informações do Ministério do Trabalho e Emprego. Com isso, o país atinge 60.251 trabalhadores resgatados desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995. Nesses 28 anos, R$ 127 milhões foram pagos a eles em salários e valores devidos.

Celebra-se, no próximo sábado (28), o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, que também marca o aniversário da Chacina de Unaí, quando funcionários do Ministério do Trabalho foram executados durante uma fiscalização rural em 2004.

Ao todo, foram 462 operações para verificar denúncias em todo o país. Elas não flagraram o crime apenas em Alagoas, no Amapá e no Amazonas. Minas Gerais foi o estado com mais operações de combate ao trabalho escravo, com 117 empregadores fiscalizados e o maior número de resgatados: 1.070. Desde 2013, o estado lidera em número de flagrados em situação de escravidão contemporânea.

Neste ano, Minas também ficou com o maior resgate individual de trabalhadores, no município de Varjão de Minas, com 273 no corte de cana. O recorde histórico ainda está na mão da usina Pagrisa, em Ulianópolis (PA), com um resgate de 1064 resgatados em 2007.

Goiás (49) e Bahia (32) vêm logo atrás na quantidade de fiscalizações, mas Goiás ficou em segundo lugar (271) em número de vítimas, seguido por Piauí (180), Rio Grande do Sul (156) e São Paulo (146).

Os 2.575 resgatados receberam R$ 8,19 milhões em salários e verbas rescisórias. Mais de R$ 2,8 milhões foram recuperados para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

As operações são coordenadas pela Inspeção do Trabalho em parceria com o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, entre outras instituições. Ou por equipes ligadas às Superintendências Regionais do Trabalho nos estados, que também contam com o apoio das Polícias Civil, Militar e Ambiental.

“O resgate tem por finalidade fazer cessar a violação de direitos, reparar os danos causados no âmbito da relação de trabalho e promover o devido encaminhamento das vítimas para serem acolhidas pela assistência social”, afirmou o auditor fiscal do trabalho Maurício Krepsky, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) do Ministério do Trabalho e Emprego.

Mais de 80% dos resgatados se declararam negros

Dos resgatados, 92% eram homens, 29% tinham entre 30 e 39 anos, 51% residiam no Nordeste e 58% nasceram na região. Quanto à escolaridade, 23% declararam não ter completado o 5º ano do ensino fundamental, 20% haviam cursado do 6º ao 9º ano incompletos e 7% eram analfabetos.

No total, 83% se autodeclararam negros, 15% brancos e 2% indígenas.

Três indígenas Guarani-Kaiowá de 23, 20 e 14 anos foram resgatados de condições análogas às de escravo em uma área de produção de eucalipto em Ponta Porã (MS), em 19 de abril do ano passado, Dia dos Povos Indígenas. Contando com pouca comida, eles caçavam passarinhos para matar a fome quando foram encontrados.

Os três estavam alojados em um barraco de lona, usando espumas e colchões velhos para dormir sobre o chão de terra. Usavam um brejo para tomar banho e uma cacimba para retirar água a fim de cozinhar e beber. A comida era descontada do pagamento, o que é ilegal. No momento da fiscalização, havia pouca à disposição, então os jovens se alimentavam com passarinhos que eles mesmos caçaram.

Dos resgatados, 148 eram migrantes de outros países, o que representa o dobro em relação a 2021, sendo 101 paraguaios, 14 venezuelanos, 25 bolivianos, quatro haitianos e quatro argentinos.

No ano passado, 35 crianças e adolescentes foram submetidos ao trabalho análogo ao de escravo. Desses, dez tinha menos de 16 anos e 25 possuíam entre 16 e 18 anos no momento do resgate. O cultivo de café foi a atividade em que mais crianças e adolescentes foram resgatados, com 24% das vítimas.

Mas escravidão contemporânea também foi flagrada junto a menores de 18 anos em atividades esportivas, produção florestal, cultivo de arroz, cultivo de coco-da-baía, criação de bovinos, fabricação de produtos de madeira, produção de carvão vegetal, cultivo de soja e confecção de roupas.

O cultivo da cana-de-açúcar foi a atividade com maior número de resgatados em 2022, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, com 362 vítimas. Na sequência, aparece atividades de apoio à agricultura (273), produção de carvão vegetal (212), cultivo de alho (171), de café (168), de maçã (126), a extração e britamento de pedras (115), criação de bovinos (110), cultivo de soja (108), extração de madeira (102) e construção civil (68).

Do total de resgatados, 87% estavam em atividades rurais.

Trabalhadora resgatada após 72 anos escravizada pela mesma família

A Inspeção do Trabalho vem registrando um aumento de casos de trabalho escravo doméstico nos últimos anos. Em 2022, foram 30 vítimas em 15 unidades da federação, sendo dez apenas na Bahia.

O caso mais emblemático foi o de uma mulher de 84 anos resgatada de condições análogas às de escravo, em março, após 72 anos trabalhando como empregada doméstica para três gerações de uma mesma família no Rio de Janeiro. Nesse período, ela cuidou da casa e de seus moradores, todos os dias, sem receber salário, segundo a fiscalização.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho, essa é a mais longa duração de exploração de uma pessoa em escravidão contemporânea desde que o Brasil criou o sistema de fiscalização para enfrentar esse crime.

Quando a trabalhadora, que é negra, passou a atuar para a família, a Lei Áurea (1888) tinha apenas 62 anos, o presidente era Eurico Gaspar Dutra e o Rio, a capital do país.

De acordo com a fiscalização, seus pais trabalhavam em uma fazenda no interior do estado que pertencia à família Mattos Maia. Aos 12 anos, ela se mudou para a residência do casal proprietário para realizar serviços domésticos. Quando faleceram, migrou para a casa da filha deles, onde manteve suas atividades, incluindo o cuidado com as crianças.

 

Ao ser resgatada, atuava como cuidadora da empregadora, apesar de ambas terem idade semelhante. Ao todo, serviu três gerações da família, uma vez que, na residência na Zona Norte da cidade, também reside o neto dos patrões originais. Os empregadores foram procurados época do resgate, mas não responderam os pedidos por um posicionamento.

“Em razão da grande repercussão do resgate da trabalhadora doméstica Madalena Gordiano no final de 2020 em Patos de Minas, o número de denúncias aumentou”, afirmou o auditor fiscal Maurício Krepsky.

Chacina de Unaí completa 19 anos sem cumprimento de pena dos mandantes

O 28 de janeiro foi escolhido como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo para marcar o aniversário da Chacina de Unaí, quando os auditores fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e o motorista Ailton Pereira de Oliveira foram executados em uma fiscalização de rotina no Noroeste de Minas Gerais em 2004.

Os irmãos Antério e Norberto Mânica, grandes produtores de feijão, foram apontados como os mandantes do crime pela Polícia Federal. Entre ida e vindas, julgamentos e anulações, eles foram condenados. Porém, aguardam recursos em liberdade.

O inquérito entregue pela Polícia Federal à Justiça sobre a chacina de Unaí afirmou que a motivação do crime foi o incômodo provocado pelas insistentes multas impostas pelos auditores à família de fazendeiros, sendo que o auditor-fiscal do trabalho Nelson José da Silva era o alvo principal. Ele já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em infrações a fazendas da família Mânica por descumprimento de leis trabalhistas.

O motorista Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, Oliveira não resistiu e faleceu. Antes de morrer, descreveu uma emboscada: um automóvel teria parado o carro da equipe e homens fortemente armados teriam descido e fuzilado os fiscais. Os auditores fiscais morreram na hora.

Trabalho escravo hoje no Brasil

 

A Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade.

Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Como denunciar

Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas de forma sigilosa no Sistema Ipê, sistema lançado em 2020 pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em 2022, 1.654 foram enviadas pelo sistema. Denúncias também podem ser feitas através do Ministério Público do Trabalho, unidades da Polícia Federal, sindicatos de trabalhadores, escritórios da Comissão Pastoral da Terra, entre outros locais.

________

Com informações do Brasil de Fato

Saiba reconhecer e denunciar trabalho análogo à escravidão

 

Mão de uma idosa de 84 anos em abrigo, no Rio; ela foi resgatada de condições análogas à escravidão após 72 anos em maio deste ano - Reprodução Globonews - 14.mai.22.

Uma denúncia é a porta de entrada para revelar casos de trabalho análogo à escravidão ligados a serviços domésticos, que ocorrem dentro de residências e envolvem vítimas em situação de vulnerabilidade social, com baixa escolaridade e pouco acesso aos canais de investigação.

Segundo o auditor Maurício Krepsky, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, é difícil identificar as situações que envolvem atividade doméstica se não for por meio de um relato. “Geralmente a denúncia não é feita pela vítima, é alguém que está fora e observa, então chegar essa informação é extremamente importante.”

“Às vezes, [a vítima] não tem acesso a pessoas ou a lugares nos quais a denúncia pode ser feita. Às vezes, não tem nem sequer consciência do grau de exploração a que é submetida, porque o trabalho escravo afeta principalmente pessoas em grande situação de vulnerabilidade social, afirma Medina.

O tema ganhou mais debate e espaço, nas últimas semanas, com o podcast A Mulher da Casa Abandonada, produzido pela Folha. Ele retrata a história de uma brasileira que manteve uma empregada doméstica em condições análogas à escravidão durante 20 anos nos EUA.

O trabalho análogo à escravidão pode estar presente em qualquer setor, no meio urbano ou rural. Segundo Italvar Medina, procurador do MPT (Ministério Público do Trabalho), a maior parte dos resgates de 2021 foi feita de lavouras de café, no meio rural, e dos setores de construção civil e trabalho doméstico, no meio urbano.

As condições que caracterizam o trabalho análogo à escravidão estão previstas no artigo 149 do Código Penal. Trabalho em condições degradantes, trabalho forçado, jornada exaustiva e situações que configuram escravidão por dívidas são recorrentes.

Não é necessário que todos os aspectos estejam presentes; qualquer uma destas situações já pode configurar trabalho análogo à escravidão e, em caso de suspeita, a denúncia pode ser feita por meio de Sistema Ipê.

VEJA COMO IDENTIFICAR UM CASO DE TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO

CONDIÇÕES DEGRADANTES

Há negação dos direitos básicos para a dignidade do trabalhador. “Ele não tem garantida uma alimentação digna, muitas vezes não tem acesso a água potável, a um alojamento com a mínima qualidade e conforto, acesso a medidas de saúde e segurança do trabalho, não há respeito ao repouso, não há às vezes até mesmo pagamento de remuneração”, explica Medina.

Há situações em que trabalhadores do meio rural são resgatados em barracos de lona, obrigados a buscar a própria comida e a beber água de riachos e açudes.

TRABALHO FORÇADO

Ameaças, agressões físicas, restrição de uso de meios de transporte e retenção de documentos, como passaportes de trabalhadores imigrantes, são medidas usadas para impedir ou dificultar a saída da vítima do local de trabalho.

JORNADA EXAUSTIVA

A jornada exaustiva tem longa duração e é tão intensa que pode levar ao total esgotamento das energias e ao adoecimento.

ESCRAVIDÃO POR DÍVIDAS

O empregador leva o trabalhador a constituir dívidas de forma fraudulenta. O funcionário nunca consegue quitar a falsa dívida que teria contraído.

Então o empregador, por exemplo, cobra os próprios instrumentos de proteção, cobra os mantimentos para o trabalhador por preços superfaturados, cobra o meio de transporte para o trabalhador ir à fazenda, e com isso praticamente todo o dinheiro que o trabalhador ganha reverte de volta ao empregador.”

QUANDO E COMO FAZER UMA DENÚNCIA?

Caso desconfie de que alguém está sendo submetido a trabalho análogo à escravidão, denuncie a situação no formulário do Sistema Ipê: www.ipe.sit.trabalho.gov.br ou presencialmente, nas unidades do Ministério Público do Trabalho ou em Superintendências Regionais do Trabalho, por telefone das unidades ou por meio do Disque 100.

A pessoa não precisa nem usar a palavra ‘trabalho escravo’ se ela não quiser, ela precisa descrever os fatos”, diz Medina.

É possível fazer a denúncia de forma anônima, mas Krepsky ressalta a importância de deixar ao menos um telefone de contato: “Muitas pessoas têm medo de denunciar e se identificar, mas precisamos entrar em contato com o informante em algum momento, até para garantir a eficiência da ação fiscal, às vezes ter algum detalhe que a pessoa não citou e a gente precisaria saber.”

Os dados do denunciante são sigilosos e não são divulgados, assim como a própria existência da denúncia e seu conteúdo.

Por obrigação legal, a gente não pode nem mesmo dizer se a ação fiscal é objeto de denúncia, quanto mais revelar a fonte”, explica o auditor Maurício Krepsky, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo.

_____________

Por Natalie Vanz Bettoni, da Folha de S.Paulo e reproduzido no Geledés.

Órgãos de combate ao trabalho escravo correm risco de extinção

 

(FOTO/ Ministério Público do Trabalho).

Uma decisão do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) pode levar a desativação de varas trabalhistas nas cidade maranhenses de Timon, Pedreiras e Açailândia, que é o terceiro município do país com o maior número de trabalhadores encontrados em regime análogo à escravidão.

As varas trabalhistas do Maranhão atuam no combate ao trabalho escravo em fazendas do agronegócio, carvoarias e também no comércio varejista, segundo o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia.

As três varas com risco de serem extintas atendem uma área com 25 cidades. Os trabalhadores terão que se deslocar por mais duas horas e meia para chegar em Imperatriz. Essas extinções vão favorecer fazendeiros e empresários que exploram trabalho escravo”, afirma Yonná Luma, do Centro de Defesa, em entrevista à Alma Preta Jornalismo.

De acordo com a resolução 296 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, as varas com menos volumes de novos processos devem ser aglutinadas a outras varas. O objetivo é organizar a estrutura da Justiça do Trabalho. Todo mês de janeiro, os tribunais regionais devem elaborar a lista das varas com total de novos processos igual ou inferior a 50% da média das varas daquele tribunal. O prazo para deslocá-las para outra cidade ou apresentar justificativas contrárias ao plano de reorganização é de 60 dias.

No levantamento feito pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Maranhão, levando em conta apenas o volume de novos processos, Açailândia, Pedreiras e Timon ficaram na lista de varas a serem extintas e o trabalho incorporado à vara de Imperatriz.

O deslocamento destas três varas do trabalho para Imperatriz representa um retrocesso ao direito de acesso à justiça trabalhista'', diz o juiz Carlos Eduardo Evangelista Batista dos Santos, titular da Vara do Trabalho de Açailândia.

Santos é presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 16ª Região e destaca a importância da atuação das varas trabalhistas na fiscalização e proteção dos trabalhadores nas áreas mais afastadas.

O Estado do Maranhão é, reconhecidamente, local de origem de muitos trabalhadores usados como mão de obra submetidos ao trabalho escravo contemporâneo”, argumenta.

Trabalhador levou tiro na nuca por cobrar pagamento

Na primeira semana de março, um trabalhador levou um tiro na nuca por cobrar o pagamento de salários atrasados em Cidelândia, cidade maranhense próxima das divisas com o Pará e Tocantins. Após o crime,  o Ministério Público do Trabalho, a auditoria-fiscal e a Polícia Federal realizaram uma operação na cidade e resgataram quatro trabalhadores. O homem que havia levado o tiro na rua precisou se fingir de morto para depois fugir e pedir a juda.

Segundo representantes do Ministério Público do Trabalho, um dos resgatados foi um idoso de 62 anos, que precisou de atendimento médico porque apresentava fortes sintomas gripais. Exames laboratoriais confirmaram que se tratava de covid-19, agravada por desnutrição e desidratação. O idoso atuava como caseiro e vigia há mais de um ano em troca de alimentação e moradia na fazenda São Sebastião.

Cidelândia é uma das oito cidades que fazem parte da área de atuação da vara de Açailândia. Entre 2008 e 2020 foram encontradas, só no Maranhão, 3.457 pessoas submetidas ao trabalho escravo, 825 delas na cidade de Açailândia.

Em todo o Brasil, Açailândia é o terceiro município em número de trabalhadores resgatados nessas condições, ficando atrás apenas de São Félix do Xingu (PA) e São Paulo (SP).

O que diz o Tribunal Superior do Trabalho

A Alma Preta Jornalismo procurou oTribunal Superior do Trabalho (TST) e questionou sobre a resolução que pode resultar na extinção de varas do trabalho em regiões com grande histórico de trabalho escravo.

Segundo o tribunal, a norma estipulada em junho de 2020 não pretende estimular que os Tribunais Regionais do Trabalho extingam Varas do Trabalho. A norma, na verdade, estimula que os TRTs façam uma avaliação da estrutura para o melhor aproveitamento de locais com baixo movimento para melhorar o fluxo do trabalho em toda a região.

O TST informou também que os Tribunais Regionais do Trabalho serão acompanhados pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho e devem enviar ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) os planos de tratamento sobre a resolução.

No dia 23 de fevereiro, o presidente do TRT-MA, Francisco José de Carvalho Neto, pediu para retirar o plano de extinção das varas a pauta de votação do dia 23 de fevereiro, após ter conversado com o presidente do CSJT e ponderado sobre as argumentações contrárias à extinção. Porém, no dia 4 de março, um despacho do próprio Carvalho Neto incluiu o plano de extinção na pauta de votação para o dia 24 de março.

_______________

Com informações da Alma Preta.

Número de resgatados do trabalho escravo neste ano supera 1.600 e já é o maior desde 2013

 

(FOTO/ Reprodução).


Com um total de 1.636 até o último dia 9, o número de trabalhadores resgatados de situação análoga à escravidão já é o maior desde 2013, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). E aumenta 102% sobre 2020. Do total de resgatados, 54 eram crianças e adolescentes.

De acordo com a Campanha Nacional da CPT de Combate ao Trabalho Escravo, foram 151 casos até agora no meio rural, dos quais 142 tiveram fiscalização. Minas Gerais aparece com 49 casos e 731 resgatados.

A região Sudeste concentra 37% dos casos e 55% dos libertados. Já o Centro-Oeste tem 22% e 24%, respectivamente. Essas duas regiões têm também o maior número de menores de idade envolvidos na prática – 17 cada.

Entre os estados, depois de Minas Gerais, Goiás aparece com 291 trabalhadores libertados, enquanto o Pará tem 94, em 21 casos.

Equipes de fiscalização

“O fato do estado mineiro liderar o ranking do trabalho escravo rural nos últimos sete anos, se deve, também, à destacada atuação das equipes de fiscalização do trabalho da região”, diz a CPT. “Com um quadro de auditores fiscais do trabalho reduzido em 44% do seu efetivo normal em todo o país (estão preenchidos hoje apenas 2.039 dos 3.644 cargos criados em lei), além das reiteradas tentativas do governo federal em fragilizar ainda mais essa atuação, o empenho das equipes garantiu um número elevado de estabelecimentos fiscalizados em 2021.” 

Ainda segundo o balanço da Pastoral, a pecuária foi a atividade econômica que mais usou mão de obra escrava em 2021. “Responde por 23% do total de casos, seguida das lavouras permanentes (19%), lavouras temporárias (18%) e produção de carvão vegetal (11%)”, informa. Mas as lavouras temporárias concentraram o maior número de resgatados: 600 pessoas, 37% do total. Em seguida, vêm as lavouras permanentes, com 32 resgatados (23%).

A CPT cita o resgate, pelos grupos móveis de fiscalização, de 116 trabalhadores que colhiam palhas de espigas de milho para a produção de cigarros em Água Fria de Goiás. “A operação foi realizada a partir de um trabalho de inteligência fiscal, com a finalidade de apurar indícios de trabalho escravo no entorno do Distrito Federal. As vítimas eram oriundas de várias partes do país, tendo sido aliciadas nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Maranhão e Piauí.”

Na chamada Amazônia Legal, foram registrados 45 casos (38 fiscalizados). E 193 trabalhadores acabaram libertados na região.

--------------

Com informações da RBA.

Mais de 1 mil pessoas foram resgatadas de trabalho escravo no Brasil em 2021

(FOTO/ Valter Campanato/ Agência Brasil).

A Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) atualizou no dia 5 de outubro a plataforma de estatísticas ‘Radar SIT’, que revelou dados alarmantes sobre a realidade das condições de trabalho no país. Ao todo, cerca de 1.015 trabalhadores foram resgatados de atividades análogas à escravidão só neste ano. De janeiro a setembro, 234 estabelecimentos foram fiscalizados, tendo 102 autuados por submeter pessoas à condições subumanas.

Em comparativo com 2020, em 12 meses, o ano registrou 276 ações fiscais, mas totalizando um número inferior com este ano, tendo 936 trabalhadores resgatados. Segundo o auditor fiscal Maurício Krepskye, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE/CGFIT/SIT), o aumento dos resultados apurados em 2021 ocorreu, em grande parte, por causa da ‘Operação Resgate’, a maior operação para combate ao trabalho escravo já realizada no país, em parceria com diversos órgãos.

No topo do ranking de ações fiscais, Minas Gerais foi o estado com o maior número de operações de combate a esta realidade, com 54 empregadores fiscalizados e com 420 trabalhadores resgatados, quase metade do registro geral. O estado é seguido por São Paulo, com 135 trabalhadores resgatados e Goiás, com 102. No nordeste, Pernambuco desponta com 34 casos de resgate finalizados até o dia 30 do último mês e estão sendo atualizados junto à plataforma.

Sobre o perfil dos mecanismos de exploração, Carlos Silva, coordenador da Fiscalização de Combate ao Trabalho Análogo ao Escravo em Pernambuco, afirma que os exploradores do trabalho se aproveitam de diversas vulnerabilidades sociais e econômicas que atingem as pessoas exploradas, como é o caso da baixa escolaridade, da falta de emprego e trabalho e da baixa renda individual e familiar.

É uma situação de absoluta e inequívoca coisificação da pessoa humana. Nas ações fiscais os Auditores-Fiscais do Trabalho normalmente constatam que os exploradores “amarram” os trabalhadores por meio de dívidas impagáveis, desde a origem de suas cidades, até mesmo no local de trabalho, onde em algumas situações os escravizados pagam por suas ferramentas de trabalho”, conta.

Carlos ressalta que também há retenção salarial, de documentos e uso de violência física e psicológica, além de sistemas de remuneração por produção que fomentam o trabalho até a exaustão.

A Subsecretaria de Inspeção adiantou que mais de R$5 milhões de reais foram pagos diretamente aos trabalhadores durante as ações de resgate registradas este ano como resposta aos direitos trabalhistas que não foram respeitados durantes os períodos de atividades.

Para denunciar

A SIT informa que denúncias de trabalhos análogos à escravidão podem ser feitas de forma remota e sigilosa através do ‘Sistema Ipê’. A plataforma, lançada no primeiro semestre de 2020, funciona em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

_____________

Com informações do Alma Preta.

Trabalhador escravizado em fazenda vivia com família entre escorpiões e pó

 

(FOTO/ Reprodução).

Um homem foi resgatado do trabalho análogo ao de escravo em uma fazenda de gado durante uma operação de fiscalização, em Formosa (GO), após mais de oito anos de serviço. Ele vivia com sua esposa e cinco filhos dormindo entre escorpiões e cobras, sem água e luz, com pouca comida e sob a poeira da mineração de calcário que ocorria perto de seu alojamento. Enquanto isso, a alguns quilômetros dali, as Forças Armadas faziam um treinamento militar com a presença do presidente da República.

"Escorpião era demais, tinha muito. Um me picou e fiquei seis meses com a perna dormente. Já acordei com cobra no pescoço. Tinha coral, papa-pinto... Se não forrasse o chão e tapasse os buracos da casa todos os dias, os escorpiões picariam meus meninos. Dormia todo mundo no mesmo lugar. Assim eu ficava de olho nos bichos."

O relato é de Marilene da Costa, esposa de Itamar, trabalhador que foi resgatado na operação iniciada no dia 11, em Formosa, Goiás. Todos passaram anos usando o mato como banheiro, sem energia elétrica e consumindo água salobra de um poço.

Certamente você ouviu falar no município. Enquanto auditores fiscais do Ministério do Trabalho, um procurador do Ministério Público do Trabalho, um advogado da Defensoria Pública da União e policiais federais retiravam o trabalhador e sua família da propriedade, as Forças Armadas realizavam uma operação de treinamento militar no mesmo município.

Foram os blindados fumacentos da Operação Formosa que atravessaram a Esplanada dos Ministérios na "demonstração de força" de Jair Bolsonaro no dia da derrota do voto impresso na Câmara dos Deputados.

Tão alheia à existência das tropas quanto às tropas estavam alheias à sua existência, a família esperava a visita do poder público. "Fiquei oito anos sofrendo que nem cachorro. Só no finalzinho, vieram o Conselho Tutelar e a Assistência Social. E, com isso, chegou água e luz", explicou a esposa do trabalhador à coluna.

Ironicamente, após mais de oito anos sob velas, as lâmpadas chegaram uma semana antes da operação de fiscalização chegar e constatar o trabalho degradante. 

O proprietário da fazenda Muzungo, Meroveu José Caixeta, informou através de seu advogado Ítalo Xavier que, até o momento, não teve acesso integral aos autos do procedimento de inspeção. O representante afirmou que "o cliente colaborou com os trabalhos da fiscalização, firmando Termo de Ajuste de Conduta com o Ministério Público do Trabalho, para atender todas as exigências que entenderam pertinentes".

Além dos bichos peçonhentos, da falta de comida, da água salgada e da escuridão, havia o pó. Muito pó.

A precária casa, em que caberia apenas uma pessoa, ficava a menos de 100 metros de uma empresa de mineração, vizinha à fazenda, e a 200 metros do canteiro de extração de calcário. A produção, que seguia barulhenta dia e noite, levantava uma nuvem de pó branco, que cobria comidas, roupas, pessoas.

"A quantidade de pó era impressionante", afirma a auditora fiscal Andréia Donin, coordenadora da operação. A filha de 13 anos do casal tem bronquite asmática e sofria com a poeira intensa - os outros filhos têm 16, 8, 7 e 4 anos.

A situação da saúde da família está sendo investigada por conta da exposição prolongada do produto.

"Toda hora você tinha que limpar a casa e ficar com pano no nariz porque era pó demais", afirma Marilene. "Eu tô com caroço no pescoço, perdendo a voz. Fui ao medico e ele disse que isso foi causado pela poeira. Tenho que ir pra Goiânia para operar, mas quem vai ficar com as crianças?"

O procurador do trabalho Tiago Cabral, que acompanhou a ação, diz que tem constatado uma piora nas condições oferecidas aos trabalhadores. Segundo ele, há patrões que acreditam que, para os trabalhadores, basta a replicação da miséria.

"Eles não conhecem seus direitos, são vítimas fáceis do trabalho escravo. O pai da família havia sido vítima de trabalho infantil. É a receita da superexploração. O empregador sabendo dessa situação colocou o trabalhador próximo de um local com extração mineral, aspergindo poeira sílica", afirma.

Marilene considera que a pior coisa foi ver o sofrimento dos filhos.

"Tenho dois filhos que nem sabem o que é uma televisão. Olhava para eles e chorava muito. No tempo da chuva, a gente tinha que ficar enrolado num canto porque a goteiragem era demais. Muita muriçoca, muito inseto. O fogão de lenha era dentro, tinha fumaça demais. Pó da firma [de mineração] e a fumaça do fogão... Sempre pedíamos uma casa melhor, e não faziam nada", afirma.

----------------------------------

Por Leonardo Sakamoto, em seu blog. Leia a íntegra do texto aqui.

Brasil resgata 942 pessoas do trabalho escravo no primeiro ano da covid-19

 

Operação de fiscalização resgata trabalhadores da escravidão em fazenda de gada no sul do Pará. (FOTO/ Leonardo Sakamoto).

Foram resgatados da escravidão contemporânea 942 trabalhadores em 2020, de acordo com informações atualizadas, nesta quarta (27), pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia.

No governo Bolsonaro, combate ao trabalho escravo cai 57%


PA Boa Vista, Roraima 19/05/2018 TRABALHO ESCRAVO - Operação do Ministério
do Trabalho após denúncias de trabalhadores em situações análogas à escravidão em áreas
rurais próximas a Boa Vista, Roraima, resulta no resgate de seis trabalhadores venezuelanos.
Foto Guito Moreto / Agência O Globo
 GUITO MORETO / GUITO MORETO/AGÊNCIA O GLOBO

Texto | Nicolau Neto

Durante os cinco primeiros meses do governo Bolsonaro (PSL) as operações de combate ao trabalho escravo tiveram uma queda vertiginosa de 57%. Os dados são um comparativo em relação ao mesmo período de 2018.

Não é só na Líbia: Brasil também vende escravos a céu aberto


Imagens de mercados de compra e venda de seres humanos na Líbia, com leilões de escravos à céu aberto, chocaram o mundo. Migrantes da África subsaariana, que tentam alcançar a Europa fugindo da guerra e da pobreza, acabam capturados e transformados em mão de obra cativa. A situação é denunciada, há anos, pela sociedade civil, mas foi só com as imagens da CNN que se tornou comoção global.

Neste sábado (2), quando celebramos o Dia Internacional pela Abolição da Escravidão, gostaria de poder dizer que a possibilidade de você ''comprar alguém'' se limita às tristes situações de guerra ou a países com Estados tão enfraquecidos que se tornam incapazes de cumprir suas leis e convenções e tratados internacionais que proíbem essa prática.

A situação dantesca, contudo, se repete diariamente em outras partes do mundo, adotando formas escancaradamente abjetas ou mais sutis, mas ainda assim violentas por sua própria natureza. Seja em democracias ou ditaduras, exemplos capitalistas ou últimos bastiões socialistas, o trabalho escravo contemporâneo é uma realidade e está conectado com as principais redes de produção globais.

A da pesca, por exemplo. Conheci James Kofi Annan, de Gana, na África, vendido como escravo aos seis anos de idade. Até os 13, trabalhou para pescadores, experimentando diariamente tortura, fome, negligência, abuso verbal e físico. Viveu com doenças dolorosas que nunca foram tratadas e lhe foi negado acesso a cuidados médicos. Escapou do cativeiro e conseguiu ir para a escola, estudando até concluir a universidade. Mas largou o emprego estável para criar uma ONG e ajudar outras crianças e famílias que estão nas mesmas condições pelas quais ele passou.

Ou a da produção de carne bovina. Entrevistei Antônio, há alguns anos, no Sul do Maranhão. Ele havia sido comercializado junto com um grupo de outros 41 homens para limpar o pasto do gado na fazenda de Miguel de Souza Rezende na região amazônica. ''Nós fomos vendidos! Oitenta reais pra cada cabeça, os 42'', lembra. ''Quando completou 30 dias eu disse: meninos, quem quiser ir embora mais eu, nós vamos. Aí o cantineiro avisou nós: ''rapaz não sai de nenhum de vocês, se saírem vocês morrem. Tem muito jagunço na fazenda.'' Os esforços da sociedade civil, governos e empresas para erradicar esse no Brasil fez com que a situação pela qual passou Antônio seja menos comum. Mas ela ainda acontece.

Por exemplo, na fabricação das roupas que vestimos. Para quem acha que comércio de gente ocorre apenas em locais distantes dos grandes centros, conto um caso na capital paulista. No dia 9 de fevereiro de 2014, dois migrantes bolivianos aguardavam pacientemente o dono de uma confecção de costura para a qual trabalhavam tentarem concluir a ''venda'' de ambos, estipulada em R$ 1 mil por cabeça. Se não fosse a solidariedade de outras pessoas que presenciaram a cena, o negócio teria sido concretizado e a Polícia Militar não teria sido chamada para por fim ao comércio de gente que ocorria em uma via pública.

Logo depois do ocorrido, a Repórter Brasil foi a Sucre, na Bolívia, e conseguiu encontrar uma das vítimas. “Não conhecemos nenhuma rua da cidade e não falamos português. Você acha que nós fugiríamos para onde?”, perguntou. Posteriormente localizado pelas autoridades, o dono da confecção afirmou que estava tentando ''ajudar'' os dois a conseguir outro emprego.

A Organização Internacional do Trabalho estima a existência de, pelo menos, 40 milhões de pessoas submetidas a trabalho escravo em todo o mundo, produzindo lucros anuais superiores a 150 bilhões de dólares. É um cálculo modesto, considerando que os processos migratórios forçados por conflitos armados e mudanças climáticas alimentaram fortemente o tráfico de seres humanos para a exploração econômica e sexual nos últimos anos.

No Brasil, não temos uma estimativa confiável de quantas pessoas estão sob essas condições. Mas dados do Ministério do Trabalho apontam que, desde 1995, mais de 50 mil pessoas foram, oficialmente, resgatadas da escravidão.

O país costumava ser considerado um exemplo global no combate ao trabalho escravo pelas Nações Unidas. Contudo, ações do governo Michel Temer – como a desastrosa tentativa de reduzir o conceito de escravidão contemporânea e dificultar a libertação de pessoas através de uma portaria publicada no dia 16 de outubro – têm sido vistas como preocupantes pela comunidade internacional.

A medida, suspensa por liminar pelo Supremo Tribunal Federal após forte indignação da sociedade, visava a atender reivindicações da bancada ruralista e de empresas do setor de construção civil e foi tomada em meio ao processo de angariar votos de deputados federais para rejeitar a denúncia contra Temer por organização criminosa e obstrução de Justiça.

Em um evento nas Nações Unidas, em Genebra, nesta sexta (1), um representante do Reino Unido falou logo na sequência do representante do Haiti sobre a importância de combater globalmente o problema. A cena me lembrou que o espaço das palavras diplomáticas não traduz, necessariamente, a ironia da realidade. No final de 2013, a Anglo American, gigante da mineração sediada em Londres, foi responsabilizada pelo governo por escravizar 172 trabalhadores, em Minas Gerais – dos quais 100 eram refugiados haitianos. O Reino Unido vem se esforçando para criar leis e combater o trabalho escravo e tem sido um ator importante nesse processo. Mas a responsabilização de suas empresas por seu governo ainda engatinha.

A verdade é que é o investimento de governos e empresas no combate ao trabalho escravo tem sido dinheiro de troco em comparação ao que se lucra anualmente com a superexploração de trabalhadores migrantes. É o que chamamos de ''Efeito Batman'': de dia, um bilionário que, de uma forma ou de outra, explora os cidadãos de Gotham. De noite, um vingador que quer ser o exemplo da Justiça. Claro que o impacto do que ele faz de noite não chega aos pés do problema causado por sua ação de dia.

Passou da hora do mundo atuar para que países e empresas sejam responsáveis por suas ações. Precisam injetar, urgentemente, recursos no atendimento e inclusão de vítimas e sobreviventes ao mesmo tempo em que atacam os lucros provenientes dessa forma de exploração. Países precisam punir as empresas que não cuidam de suas cadeias produtivas e fecham os olhos para as consequências. E, principalmente, precisamos combater o que está na origem da venda de escravos a céu aberto, na África, na Europa, no Brasil. Pois escravidão é sintoma, não doença. É um indicador de que nosso modelo de desenvolvimento, concentrador e excludente, precisa ser alterado. Só a redistribuição de riquezas, de oportunidades e de Justiça é capaz de erradicar cenas como as que temos visto.

Faz quase duas décadas que atuo no combate ao trabalho escravo. Imagens como as que circularam nas redes sociais, por mais que sejam desesperadoras, não configuram novidade. Comoções passam com o tempo, soterradas por outras tragédias. Novidade será se, desta vez, o mundo resolver não esquecer. (Com informações do Blog do Sakamoto).


Trabalhadores vítima do tráfico de pessoas para o trabalho escravo são resgatados no Pará.
(Foto: Leonardo Sakamoto).

Após liberar escravidão, Temer perdoa crimes ambientais de ruralistas



A volta da escravidão no Brasil não foi o favor final de Michel Temer aos deputados da bancada ruralista, que podem salvá-lo da acusação de obstrução judicial e comando de organização criminosa na próxima quarta-feira.

Neste sábado, ele concedeu descontos de 60% em multas ambientais de R$ 4,6 bilhões e converteu as penas em prestações de serviços.

A volta da escravidão no Brasil foi condenada até pelas Nações Unidas, mas Temer governa apenas para os parlamentares que podem salvá-lo da cassação.

A degradação moral e institucional brasileira avança a cada dia e choca o mundo civilizado. (Com informações de Brasil247).


Ministro Gilmar Mendes faz piada com trabalho escravo: “O meu é exaustivo, mas com prazer”



O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, fez piada, nesta quinta-feira (19), com a portaria do trabalho escravo

Eu, por exemplo, acho que me submeto a um trabalho exaustivo, mas com prazer. Eu não acho que faço trabalho escravo. Eu já brinquei até no plenário do Supremo que, dependendo do critério e do fiscal, talvez ali na garagem do Supremo ou na garagem do TSE, alguém pudesse identificar, ‘Ah, condição de trabalho escravo!’. É preciso que haja condições objetivas e que esse tema não seja ideologizado”, completou Gilmar Mendes.

As novas normas mudam a punição de empresas que submetem trabalhadores a condições degradantes e análogas à escravidão. Entre outras coisas, elas determinam que só o ministro do Trabalho pode incluir empregadores na Lista Suja do Trabalho Escravo, que dificulta a obtenção de empréstimos em bancos públicos.

Critérios. A nova regra altera também a forma como se dão as fiscalizações, além de dificultar a comprovação e punição desse tipo de crime.

O que é importante é que haja critérios objetivos e que não haja essa subjetivação. Vimos aí alguns processos no STF em que havia uma irregularidade trabalhista, mas daí a falar-se em trabalho escravo, parece um passo largo demais. É preciso que haja esse exame adequado das situações, um tratamento objetivo e que isso não seja partidarizado nem ideologizado”, comentou Gilmar Mendes.

A portaria já foi criticada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Apesar das críticas, o presidente Michel Temer segue disposto a manter as alterações nas regras como um sinal de afago à bancada ruralista do Congresso Nacional em meio à articulação política para garantir uma votação favorável na segunda denúncia apresentada contra o presidente. (Com informações do Estadão/Revista Fórum).


Temer faz publicar portaria que que muda regras do trabalho escravo e o MPF e MPT recomendam revogação


O Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Federal (MPF) recomendaram ao Ministério do Trabalho que revogue a Portaria 1.129, publicada ontem (16), no Diário Oficial da União, que estabelece novas regras para a caracterização de trabalho análogo ao escravo e para atualização do cadastro de empregadores que tenham submetido pessoas a essa condição, a chamada lista suja do trabalho escravo.

Os procuradores da República e do Trabalho, que assinam a recomendação, afirmam tratar-se de um procedimento preparatório para apurar a ilegalidade da portaria. Para o grupo, a iniciativa do Ministério do Trabalho é ilegal, pois afronta o Código Penal, que estabelece o conceito de trabalho em condições análogas à escravidão e se sobrepõe à portaria ministerial.

Segundo o artigo 149 do Código Penal, quem submete alguém a realizar trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida, está sujeito a pena de dois a oito anos de prisão e multa.

Também incorre no mesmo tipo de crime quem, com o propósito de reter os trabalhadores, limita que eles utilizem qualquer meio de transporte, ou os mantém sob vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador.

Os procuradores que assinam a recomendação sustentam que, além de afrontar o Código Penal, a portaria ministerial contraria decisões da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Supremo Tribunal Federal (STF). “A referida portaria traz conceitos equivocados e tecnicamente falhos dos elementos caracterizadores do trabalho escravo, sobretudo de condições degradantes de trabalho e jornadas exaustivas”, afirmam os procuradores.

Eles lembram que, ao responsabilizar o Estado brasileiro por não prevenir a prática de trabalho escravo moderno e o tráfico de pessoas por causa de um caso ocorrido no sul do Pará, entre 1997 e 2000, a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu que não poderia haver retrocessos na política brasileira de combate e erradicação do trabalho escravo, deixando claro que a caracterização de trabalho análogo à escravidão prescinde da limitação da liberdade de locomoção.

A OIT é uma instituição judicial autônoma da Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Brasil é o primeiro país condenado nessa matéria.
A iniciativa do Ministério do Trabalho também gerou reações por parte de organizações sociais. Entre os aspectos mais criticados por diferentes entidades está a determinação de que, a partir de agora, apenas o ministro do Trabalho deve incluir empregadores na Lista Suja do Trabalho Escravo, esvaziando o poder da área técnica.

A organização não governamental internacional Conectas e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) enviaram, hoje (17), um apelo urgente à Organização das Nações Unidas (ONU), pedindo a revogação imediata da determinação do governo.

As duas entidades criticam a previsão de que, com as mudanças previstas na portaria, um empregador flagrado submetendo alguém à condição análoga à escravidão só passe a integrar a chamada Lista Suja do Trabalho Escravo após determinação expressa do ministro do Trabalho. Até a semana passada, a inclusão ocorria após uma avaliação técnica.

Para a Conectas e a CPT, as novas regras são pouco claras e tendem a atingir a transparência e a legitimidade do processo, que ficará mais vulnerável a motivos políticos.

Tendo enfrentado resistência para parar a Lista Suja, o governo agora tenta esvaziá-la de maneira autoritária. Além disso, o governo promove uma completa desvirtuação do conceito de trabalho escravo para atender a interesses das bancadas parlamentares mais conservadoras e contrárias aos direitos fundamentais", afirma Caio Borges, coordenador de Empresas e Direitos Humanos da Conectas.

Já o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), afirmou que, ao reformular o conceito de trabalho escravo, o Ministério do Trabalho impõe “uma série de dificuldades à fiscalização e à publicação da Lista Suja, provocando enorme retrocesso no combate à escravidão contemporânea, atendendo a interesses de quem se beneficia da exploração de trabalhadores”.

A portaria altera os conceitos de trabalho escravo que estão no artigo 149 do Código Penal, o que está sendo tentado pelo Congresso Nacional há alguns anos por meio de projetos e que tem forte resistência dos atores sociais comprometidos com a erradicação do trabalho escravo”, sustenta o Sinait, em nota. “O governo quer tornar muito difícil para os Auditores-Fiscais caracterizar o trabalho escravo. Sob as regras da Portaria nº 1.129/2017, em pouco tempo haveria a falsa impressão de que a escravidão acabou no país, mascarando a realidade”, disse o sindicato..

Elogio

Procurado, o Ministério do Trabalho alegou que a publicação da Portaria 1.129 vai “aprimorar e dar segurança jurídica à atuação do Estado”. Segundo a pasta, as disposições sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas a de escravo servem à concessão de seguro-desemprego para quem vier a ser resgatado em fiscalização promovida por auditores fiscais do trabalho.

Segundo o ministério, a portaria prevê a possibilidade de que sejam aplicadas multas cujos valores podem superar em até 500% os atuais. “O combate ao trabalho escravo é uma política pública permanente de Estado, que vem recebendo todo o apoio administrativo desta pasta, com resultados positivos concretos relativamente ao número de resgatados, e na inibição de práticas delituosas dessa natureza, que ofendem os mais básicos princípios da dignidade da pessoa humana.” (Com informações da Agência Brasil).