"Evidentemente, eu fui preso e exilado por
causa da ditadura. A ditadura militar de 1964 não só considerou, mas disse por
escrito e publicou que eu era um perigoso, subversivo internacional, um inimigo
do povo brasileiro e um inimigo de Deus", diz Paulo Freire em
entrevista dada à TV Cultura em 1989, quando relembra a perseguição sofrida
durante o regime militar.
O
educador e filósofo foi preso e ficou exilado durante 16 anos por causa de seus
métodos inovadores de educação, com foco na transformação social.
"Meu gosto é que nós todos, brasileiros e
brasileiras, meninos e meninas, velhos, maduros tomemos um tal gosto pela
liberdade, pela presença no mundo, pela pergunta, pela criatividade, pela ação,
pela denúncia, pelo anúncio que jamais seja possível no Brasil a gente voltar
àquela experiência do pesado silêncio sobre nós", afirma Freire.
Após
duas décadas da morte do educador popular, as ideias dele voltaram a ser
consideradas perigosas. O título de Patrono da Educação Brasileira de Paulo
Freire vai ser colocado em discussão no Congresso Nacional.
Desde
2013, nos protestos liderados por grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL),
manifestantes vestidos de verde e amarelo ostentavam faixas pedindo fim à
“doutrinação marxista” e um basta a pedagogia de Freire nas escolas.
O
ódio contra o educador culminou em um abaixo-assinado online pela revogação da
lei 12.612, de 2012, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, que concedeu o
título a Freire. O documento atingiu as 20 mil assinaturas necessárias para se
converter em sugestão legislativa e vai ser debatido no Senado Federal.
Para
o professor da USP, Dennis de Oliveira, a rejeição ao legado do educador
pernambucano reflete o aumento do conservadorismo no Brasil:
“Há toda uma ação de extrema direita
conservadora muito forte e o campo da educação, nesta situação em que vivemos
hoje, tem sido o campo em que ainda há resistência progressista. Uma parte dos
meios de comunicação de massa, infelizmente, aderiu a essa visão golpista e
direitista, enquanto na educação a gente ainda tem iniciativa de professores e
educadores que tentam formar o pensamento crítico”, opina.
Em
1963, Paulo Freire elaborou um projeto inédito e ousado: alfabetizar jovens e
adultos em 40 horas. O novo método aplicado em Angicos, no Rio Grande do Norte,
era baseado na experiência de vida e nas distintas realidades das pessoas. Para
o educador, aprender sobre o mundo coexiste com a aprendizagem das palavras.
Em
vez de cartilhas, ele trabalhava conceitos da realidade. Para um trabalhador
rural que pouco cultivou as letras, mais do que juntar as sílabas e compreender
que está escrito ‘tijolo’, por exemplo, era necessário entender quem faz o
tijolo, quem são os que constroem as casas e quem são os donos delas.
O
professor Oliveira trabalhou com Freire em 1989, quando o educador pernambucano
foi nomeado secretário de Educação no Município de São Paulo, na gestão de
Luiza Erundina.
A
frente da pasta, Freire vinculou o EJA, projeto de educação de jovens e
adultos, à secretaria da educação. A preocupação do professor era com uma
educação emancipadora, libertadora e de consciência crítica.
"Suas obras são reproduzidas em várias
línguas, é uma referência internacional no campo da educação, da pedagogia e do
pensamento filosófico. Ele propõe você pensar em uma estratégia de ação, junto
com os movimentos sociais, em que você respeite a diversidade de saberes e
conhecimentos", diz.
Os
ensinamentos de Paulo Freire reverberam ainda hoje nos movimentos populares
pelo Brasil e pelo mundo. Um deles é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) que tem a educação popular como uma das bases da militância, segundo
a coordenadora do setor de educação, Rubneuza Leandro.
"Paulo freire foi um dos grandes
sistematizadores da educação popular, é uma concepção de educação em que ele
coloca que a libertação do oprimido está com ele. Não é um iluminado que vem
para libertá-lo, é no próprio oprimido que está a chave para a libertação e
dentro dessa perspectiva de problematizar o que traz a opressão. E nisso, ele
traz o elemento de classe: se tem um oprimido, é porque tem um opressor",
expõe.
No
Senado, a sugestão legislativa será debatida na Comissão de Direitos Humanos e
Legislação Participativa. A relatoria está a cargo da senadora Fátima Bezerra
(PT - RN).
Educadores
e entidades de todo o país já se movimentam para manter o nome de Paulo Freire
como Patrono da Educação Brasileira. O manifesto de defesa, organizado pelo
Instituto Paulo Freire, também angariou mais de 20 mil assinaturas na Internet.
(Por Rute Pina, no Brasil de Fato).
Educador ficou exilado durante 16 anos, durante a ditadura militar, devido seus métodos inovadores de educação, com foco na transformação. (Foto: Reprodução Brasil de Fato). |
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