Filósofo Euclides Mance identifica dezenas de equívocos lógicos de Moro em sentença contra Lula


"As declarações de (Léo) Pinheiro Filho soam críveis", assinala Sergio Moro na sentença que condenou Lula a nove anos e meio de prisão, prestes a ser analisada em segunda instância pela Justiça.

O magistrado diz não vislumbrar motivo para o delator do ex-presidente no processo do tríplex admitir "a prática de um crime de corrupção", no caso, o repasse de propina ao petista na forma do imóvel, e negar "o outro", relativo ao recebimento de vantagens ilícitas para o armazenamento do acervo presidencial.

"Caso sua intenção fosse mentir em Juízo em favor próprio e do ex-presidente, (Pinheiro) negaria ambos os crimes", conclui o magistrado. "Caso a intenção fosse mentir em Juízo somente para obter benefícios legais, afirmaria os dois crimes."

A argumentação do juiz pressupõe que a confirmação de um crime e a negação de outro permitem concluir pela veracidade da narrativa de Léo Pinheiro. Como a tese de Moro não pode ser verificada a partir do raciocínio lógico, sua conclusão pode ser considerada uma falácia de "apelo à crença", de acordo com o filósofo Euclides André Mance.

Assim como os desembargadores do TRF-4, que julgarão em segunda instância a condenação de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro, o pesquisador debruçou-se sobre a sentença de Moro contra Lula. Em vez de avaliá-la do ponto de vista jurídico, seu objetivo foi identificar equívocos de raciocínio, ou argumentações sem consistência lógica (confira alguns exemplos). A falácia do apelo à crença é apenas um dos erros lógicos identificados pelo filósofo.

Integrante da coordenação geral do Instituto de Filosofia da Libertação e ex-professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), estado que abriga a força-tarefa da Lava Jato comandada pelo juiz, Mance está prestes a publicar o livro "Falácias de Moro", que estará disponível para compra no site da Editora IFIBE nas próximas semanas.

Na obra, o autor identifica dezenas de equívocos lógicos do magistrado na peça. O estudo não é uma abordagem jurídica ou mesmo política da sentença, mas uma verificação das conclusões do magistrado a partir de suas premissas.

Embora tenha sentido perjorativo no senso comum, uma falácia não é necessariamente um ato de má fé. Se for cometida sem intenção, lembra Mance, trata-se de um paralogismo. Quando realizada de forma proposital, é um sofisma. "Os defensores do autor da sentença, possivelmente, verão nessas falácias apenas paralogismos oriundos da análise lógica de um problema bastante complexo. Seus críticos poderão entendê-las como sofismas politicamente motivados", escreve o filósofo.

Mance diz que, ao ler a sentença de Moro, começou a perceber algumas inconsistências. "Lecionei lógica e filosofia da linguagem por alguns anos e percebi essas particularidades". O filósofo elaborou uma versão preliminar do estudo e solicitou a contribuição de outros professores de filosofia. Ele diz não ter parâmetros para avaliar se a sentença de Moro tem mais erros lógicos que a média das peças jurídicas no País. "É a primeira vez que analiso uma sentença, mas fiquei estarrecido".

Muitas das falácias identificadas estão relacionadas a erros de inconsistência ou equivocação, quando há duas afirmações excludentes sobre um mesmo fato. Para reconhecê-las, o filósofo teve de confrontar passagens que estão a centenas de parágrafos de distância.

Em seu estudo, o pesquisador notou que Moro trata o apartamento no Guarujá em certa passagem como um duplex, e mais à frente como um tríplex. A ambiguidade é importante, pois Moro afirma que já havia anotações sobre o tríplex em documentos de aquisição de direitos subscritos pela ex-primeira dama Marisa Letícia, quando na verdade o apartamento ainda era um duplex, diz Mance.

O filósofo lembra ainda da afirmação de Léo Pinheiro de que não havia contado a ninguém no interior da OAS sobre as ilicitudes relacionadas ao tríplex. Em seu depoimento, Agenor Medeiros, diretor da empreiteira, contradiz Pinheiro ao afirmar ter ouvido dele numa viagem que os prejuízos com o tríplex seriam abatidos de uma conta de propinas. "Isso revela que um dos dois, ou talvez ambos, tenham faltado com a verdade em juízo." (Por Miguel Martins, no CartaCapital).


Segundo o filósofo, Moro incorre em equívocos de raciocínios dos mais variados. (Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil).




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